quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

"Daqui a pouco: fogos em copacabana!"


Decidi passar o ano novo em casa, sozinho. Pra ver como é. Uma atitude que fere meus vinte anos anteriores. Serve pra distinguir a grandeza desse ano, de pretensa maioridade de espírito. As coisas se deram de um jeito legal...


(Um momento: o Luigi Barrichelli está aqui na tv narrando o sorteio da mega-sena. Ele é maluco ou é tão feliz assim? Na hora do almoço eu o vi na mesma emissora, falando da expectativa de apresentar o show da virada, descrevendo sua satisfação pelo privilégio de "servir" a um "mar de gente", em sua cidade natal. E ele falava com a mesma empolgação de agora. Que pique. Aliás, ele deve sair direto do Ipiranga - local do sorteio - pra Paulista. Pela alegria que ele quer demonstrar, ou está sendo muito bem pago, ou é muito cafajeste ator, ou é feliz demais mesmo. Deve ter tido um ano sensacional. Meu pai não ganhou o sorteio, pombas!)


Bom, agora posso continuar: minha trilha voltou a ser o jornal nacional. Só pra não perder o ensejo, vale o registro de que algumas vezes escrevo profundamente afetado pelo volume desse TV aqui do lado, vigiado por minha vó (o aparelho). Considerem isso.


Dizia eu que... o ano foi bacana.


(Putz, mas quem consegue se concentrar em meio a essas reportagens tradicionais que mostram a virada de ano nos países orientais? Japão, Austrália: sempre! Qual a diferença dessas queimas de fogos? E já vem aquele papo de maior queima de fogos da história na cidade x. Meu cachorro ainda morre de medo de bombas. Não importa! Sem mais digressões globais!).


Ah, e agora cabe uma auto-crítica: meu texto, tal qual a reportagem, também é óbvio. Pega carona com a data e com o clima. Estou aí. Pois bem, não o consideremos "texto". Como definição lhe delegarei o rótulo de folha virtual de um diário que não existe. Uma espécie de confessionário eventual e oportunista. Contradiz minha "rebeldia" de abdicar da festa familiar pra explicitar minha indiferença às efemérides. Só existe pela ocasião. Hoje vivo, de fato, um dia importante, mas de um modo menos espetacular: continuarei assistindo aos viciantes episódios de "Six Feet Under " ("A sete palmos") e me envolvendo com a família Karamázov. Ao menos enquanto os fogos me permitirem. E hoje isso é relevante pro meu último dia de 2008. Um dia de solidão desejada, em que a interação se resumiu em dar o aval às vestimentas das mulheres aqui de casa, especialmente produzidas para o ano que vem. Agora me veio à mente: será que minha vó e minha mãe não terão seu empenho desprezado por minha ausência à casa de meu tio? (local da festa de logo mais). Pensando bem, se eu notar que isso pode se dar, até vou! E não por um ato de "caridade", mas pelo prazer de vê-las satisfeitas e recompensadas: isso pode valer a noite. Se, de outra forma, eu atestar a indiferença de minha presença à alegria delas, fico! E, aí sim, num gesto de "caridade", acolho o Bolinha (cachorro que tem medo de bombas) aqui na sala, e lhe ofereço os gatos.


Desfragmentando esses doze últimos meses:


(Bom, não dá mais: começaram os links da praia de copacabana. Eu sou muito rabugento pra não me abalar com isso. A repórter ainda soltou um "feliz ano novo a todos!" Ela não deseja um feliz ano novo a todos! Desejamos morte ao Frank Aguiar, no mínimo! Na verdade só citei ele pelo prazer que tenho em pronunciar o slogan "Cachorrinho dos teclados"! é ótimo pra quem quer dar um tom pejorativo ao "artista"! Cachorrinho dos teclados! Certo, que ele não morra. Tem família, não é mesmo? É justo que sobreviva. Que ninguém morra e a repórter esteja com a razão. Os felizes tem de estar com a razão. Supondo que ela seja feliz, claro. Enfim, está em copacabana no reveillon e, na hipótese de isso ser invejável, ela ao menos Está feliz.)


Dizia eu que... bem, já estão soltando bombas (21:17 hs). Eu considerei que fosse algo semelhante a um ensaio, treino. Meu pai foi mais ácido e blasfemou: "o pior é que esses caras não têm onde cair morto, mas têm dinheiro pra comprar rojões!" Ano novo também é isso: oportunidade de disputa pirotécnica. Deleite do caos! Contemplação do barulho que adorna uma noite que poderia ser uma outra qualquer. Se é pra ser honesto, admito que até estou com vontade de rever alguns tios e primos, mas talvez prevaleça a preguiça de cumprimentar dezenas de pessoas, sem a mínima originalidade nos votos, nem a mínima coragem de fugir muito de um "feliz ano novo" seguido de um abraço.


Sobre o ano que se passou:


Nem sei mais o que dizer. As palavras foram se moldando de acordo com as interferências aleatórias da sala de casa. Agiram por conta de minha vulnerabilidade de caráter. E agora cheguei a um número de linhas que beira a um limite. Mais que isso ultrapassaria o desejável pra um início de ano, que imagino ser o tempo em que você lê. Exausto dos temas natalinos e ano-novistas, terás ainda o aborrecimento de ter sido alvo de uma armadilha textual (do meio, entorno: uma armadilha determinista! falei), cujo efeito também sofri. No final, não falei das mazelas de meu ano, tampouco de tantas coisas agradáveis que você mesmo me proporcionou. O mote de uma retrospectiva perdeu sua chance e cedeu espaço a um texto que só pode ser um último. Não há mais paciência pra contar nem pra "ouvir". Que fique pra outra hora.


De algum modo, porém, eu falei sempre de mim. Nesse ano todo, com mais afinco nos últimos meses, estive mais frequentemente por essas bandas. E meus dias não foram tão diferentes uns dos outros. Portanto, o que se passou nessa véspera, deverá fazer parte do ano novo. Tentarei manter alguma disciplina quanto ao número de postagens, num ponto que não desespere a mim nem a você. É possível que logo essa nossa sintonia se extingua, ainda que esse não seja meu desejo. Se este espaço pode servir preu fazer algo como um balanço do ano que morre, saiba que tenho grande prazer em tê-lo como parceiro de meus passeios em prosa. Que pude usufruir de todas as participações (diretas ou indiretas) que, já disse outras vezes, acabam se tornando novos textos. Que, por fim, ganhei um pouco mais de confiança em mim mesmo.


Contente-se com meus verdadeiros agradecimentos por sua generosidade leitora e, para continuar com meus enigmáticos paradoxos, com meus votos de uma vida melhor a todos vocês, nesse desatinado mas gostoso instante de felicidade.


Bum!




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P.S.: Dizia eu que... a aritmética!!!


P.S.2: pra me prevenir quanto ao maluco relógio desse blog, digo que comecei esse texto às 20:37 e o acabo às 21:48. Por sinal, é bem estranho olhar minha galera aqui atrás (pai, mãe e vó), estirados no sofá, prontos pra sair, me olhando com aquele ar de quem vê alguém em frente ao computador, e fala como se "internet" fosse uma coisa só, próxima do google ou do orkut. Desse lado, também olho pra eles como se assistir a uma novela fosse uma coisa só.









sábado, 27 de dezembro de 2008

O Natal de cada um. E o meu.



Uma parte significativa da família se reúne. Não por desejo momentâneo de encontro, mas por força de data. Os parentes ilustres e bem-sucedidos; e os apirantes a fracassados: parecem pedaços de um mesmo todo, sangüíneo. A mesa e as cadeiras são comuns a todos, assim como o ente mais velho, mais ou menos próximo de cada um dos presentes, e responsável pela compilação da estirpe.


Além disso, hierarquia. (im)Pura classificação.


Há os naturalmente carismáticos e agradáveis, a quem os cumprimentos são mais longos e sinceros - quase um priviégio -, e há os que só são recebidos pelo acaso do parentesco, pois, pra além disso, não possuem as qualidades requeridas pela sociabilidade: são geralmente introspectivos, abstêmios; não riem muito nem sabem fazer rir; não têm boas histórias pra contar; e disfarçam o deslocamento com periódicas inspeções em seu próprio celular. São os que solicitam rapidez aos minutos.


Aliás, uns contam suas viagens - passadas ou agendadas -; outros vêem as fotos, ouvem, e aprovam. Aqueles falam de empreendimentos profissionais vultosos; estes (que são minoria, hein!) ponderam suas escolhas. E procuram estágios ou empregos. Reflexos das classes que compõem uma mesma família, há os filhos. Os fidalgos e os desgraçados. Os que fizeram intercâmbio no exterior e os que ainda vão entrar numa escolinha de inglês. Muita inveja e indignação ocultados por sorrisos de "você merece" ("e eu não?").


Em tão aguardada noite, tudo isso conta. Da escolha do cardápio ao volume e qualidade dos presentes, nota-se a gradação humana: do mais festejado e querido ao mais alheio e relevado. Muitos se sentem realmente felizes nesses instantes de confraternização. Sentem prazer em esquecer as animosidades e desejar dias melhores a todos. Têm seu pretexto pra ver as pessoas aparentemente alegres. Outros se contentam em reparar nos vestidos repetidos e em torcer pra que alguém não ligue pra felicitar a família, dando ensejo às críticas relativas ao seu descaso.



Alguns ficam responsáveis pela compra dos mantimentos, pelos enfeites e pela oferta do imóvel; todo o resto desfruta. Às vezes, admito, lava a louça. (Mas que chatice! É natal!) Pois sim, conforto de um depende de esforço do outro. Há de se sacrificar o tempo e o trabalho de uns pra que outros possam celebrar de forma mais cômoda. Celebrar o óbvio. Admirar lâmpadas piscantes e coloridas. Nem as crianças acreditam em papai noel. Nem há esforço pra isso: tudo faz parte de uma lenda que não tem intenção de convencer. Nasce desacreditada, voluntariamente. Só resta o espírito natalino. Dá-se um video game de última geração ao filho e uma bola de plástico à ONG da esquina: solidariedade. O "eu faço minha parte".



Por fim, há os ranzinzas. Podem ser os mesmos introvertidos descritos no início desse desabafo, mas não necessariamente. Eles estão ali por algum motivo que transcenda seu livre arbítrio. Ou são filhos submissos e obedientes; ou cônjuges que cedem à vontade do parceiro; ou agregados, que, por não terem laços familiares suficientemente arraigados a ponto de constituirem sua própria ceia, se envolvem no camarão dos outros. No campo dos cônjuges, inclua os namorados (as) que comemoram à revelia. Estes lutam contra sua inibição e, ao mesmo tempo, tem de conquistar o carinho da família de seu amor. Celebram culpa e deslocamento.


Com seus sobrenomes inconvenientes, ocupam espaços escondidos nos cômodos de casas estranhas.


Esse é o meu ritual de natal. Não foge de todo o aparato do ritual cotidiano. Há vencedores e vencidos. Representação e espontaneidade. Como toda manifestação de alegria, ele atrai casmurros que procuram incoerências e desigualdades travestidas. Dá oportunidade aos observadores desleais que discorrem sobre o contentamento alheio. Esses que falam mal de tudo; que acham o ser humano um bicho bem estranho e inadaptado; que se deleitam em jogar água na champagne dos outros. Eu os conheço: alguns deles até se metem a escrever...


Após a meia-noite.


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Literatura: (in) definições



Literatura é disfarce.


É inaugurar um boteco pra atrair ouvintes aos engodos de nossas mágoas. Castigá-los ou premiá-los, conforme seu estado de embriaguez. E o resto é encher linhas e esvaziar copos. Prosear sobre si, buscando afinidades. Fingir inventar, mas compilar: aproveitar-se de tudo o que chega a nós. Pensar em escrever sobre cada coisa que se passa. Forjar nelas a possibilidade textual. É o que faço. Falo de mim, numa espécie de busca de algo inesperado, porque restrito ao instante da escrita. Tem sincero empenho, mas é falso: ainda esconde aquilo que resguarda a credibilidade de quem escreve; o singular; o indizível. O que não quer ser alcançado.


Literatura é carência.


Escrever é sentir falta. É completar-se no moldar do alfabeto. E delegar ao outro o juízo sobre si. É jogar sujo: desculpar-se com as palavras. Mas sujeitar-se aos mais duros céticos. Alimentar o inimigo; enojar. Estimular o "puta, que bosta". E agradar também. Reiterar carinho. É vingar-se do mundo ao mesmo tempo em que lhe pede auxílio. Interpretar por não saber agir. Escritores são complexados. Não resistem às auto-avaliações. São neurastênicos sempre prontos às sensações extremas: ora demasiado contentes consigo; ora assaz decepcionados. A intensidade de tais sensações é pretexto pro texto. Empurra.*


Literatura é hábito.


Mais que tudo: um costume. Segue instintos, mas todos corriqueiros. Inspiraração vem com treino. Quando não vem, há sempre outros recursos. Como agora, basta falar daquilo que se almeja com as letras: teorizar. Reciclar seu modo de escrever pra ganhar tempo. E aí esperar um novo mote. Não decepcionar o hábito. Reforçar-lhe enquanto conceito para que não se desvirtue: hábito tem de ser cotidiano, quase natural. É, também, tornar involuntária a procura de uma imagem que complemente o texto. E depois pensar: "por que sempre tenho de colocar uma fotinha? mais uma atração? uma isca?". Acabo colocando. Se bem que... esse finalzinho talvez devesse estar na definição que vem logo a seguir. (mas valeu: equilibrou o número de linhas)


Literatura é enfeite.


Mais precisamente, é enfeitar. Premeditar metáforas, calcular sua recepção, fugir dos clichês. Maqueá-los pra lembrar que, ainda que hoje sejam clichês, um dia foram inéditos, e tiveram sentido. Remodelar esses sentidos é colocá-los sob o reino da forma. Submetê-los. Escrever sobre escrever é perfumaria. Ah, o rótulo de perfumaria! Cospem: "A vida segue dura, e a arte deve se engajar; precisa denunciar as injustiças!". Não vejo tanta transcendência assim. Literatura é ornamento. Que mal há?** Necessitamos de oxigênios diversos: esse é o meu maior. Conscientizar é coisa pra gente grande. Mudar o mundo é um fardo pesado demais pros escritores. Os amadores, então, vish... são isentos pela inexperiência. Enfeitemos nossas árvores de natal com luzes chamativas, que basta.


Literatura é remorso.

Por isso aí acima. Porque sempre há uma sensação de inutilidade. Aquele "tá, e aí? o que muda? aonde quer chegar?" E aí que nos resignamos em ser inócuos aos grandes problemas do mundo. Ao menos por aqui. Que centremos nossas forças transformadoras em outras ações, concretas. Ou nem isso, porque também há muita falácia. Por enquanto, só remorso incompleto. Desconfortos de fachada. Incomoda, mas não o suficiente pra impedir nada. É o "sofrer" de longe. O "dói mais em mim do que em você": blá, blá, blá.

Literatura é paciência.


Isso mesmo: a sua. De chegar até aqui. Infeliz! Seu prêmio, sei lá... é seu próprio sorriso, de agora: esnobe, indeciso ou satisfeito. De que lhe vale? Ao espelho!




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E é mais um monte de coisas. Que o digam vcs. Estas são apenas as que me vieram aos dedos nesse momento. Agora, publicado, já me vieram outras definições, mas perderam sua oportunidade. Não coloco os créditos da imagem por não tê-los encontrado.

P.S.: Carol, isso se deve ao que vc falou aquele dia Nou Bar, sobre eu escrever sobre o próprio ato de escrever. Na verdade, vc falava de blogs, mas...tem a ver, porque o blog é onde publico, e me exponho. Bom, foi um estímulo seu, de um modo ou de outro.


*Demasiado contente! Pelos recentes textos de Camila e de João (Odisseu), que me estimulam pra caramba!; pelos comentários do último texto, que foram realmente outros textos, anônimos ou não; pelas férias que se anunciam ociosas!; pelo clima de natal (mentira!).


**cacófato notado, mas que seja! Que mal há!?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O enterro do prodígio


Não é bem um fracasso. É a relutante constatação de que não dá mais. Não há mais tempo pra tornar-se notável ainda jovem. O garoto prodígio morre sem ter nascido: fora sonhado e vivera sob a suposta incompreensão do mundo, perdido num espaço onde o irreal potencializa talentos inalcançaveis. É preciso renovar os planos de um futuro. Encontrar novos pretextos para pensá-lo promissor. À medida que a precocidade vai sumindo, há de se transferir a esperança aos feitos adultos. Uma boa experiência profissional poderia substituir o sentimento de realização inviabilizado pela adolescência comum. Mais tarde virão herdeiros para novamente justificar a impregnação da noção de vitória. O que não pude ser, meu filho será. Virá ao mundo como vítima da cobrança de seu próprio pai. Sob a máscara sincera de uma boa educação, será moldado desde criança. Falará inglês pra que não corra o risco de não compreender muita coisa boa que há por aí. Estudará música antes de pensar em fazer barulho com um violão. Tudo emoldurado pela idéia de "prepará-lo melhor para o mundo": pra sua crueldade travestida pelo tom sadio que a palavra "competição" imprime à essa bagunça humana. Uma tolice tremenda, mas que de algum modo nos acompanha: conquistar prestígio. Ser melhor que esse ou aquele... nisso ou naquilo. Pra minha tristeza, careço de impulsos. O oxigênio sofre suas mutações etárias, mas a necessidade de respirar persiste.

Quão natural seria colher da vida apenas seus prazeres, sem pensar em legados! Mas a vocês não parece uma relação parasita demais? Tiramos dos artistas nossos maiores deleites. Muitos não viveriam sem música, sem cinema, sem literatura. A obra dos outros nos mantém. E o que fazemos? Trabalhamos vendendo aparelhos que reproduzam música alheia; em locadoras promovendo filmes "imperdíveis"; em feiras do livro... vendendo livros. Será que o "dom" realmente é restrito a uma pequena parcela dos seres humanos? Você é daqueles que acreditam que alguém nasceu com o talento pra criar coisas belas e outro alguém possui a inclinação congênita para catalogar peças de um acervo político? Há PESSOAS e pessoas? talvez sim. O transcorrer do tempo me tem feito desistir da busca de um fim em mim mesmo. Uma resignação quase que imposta. Quando nos deparamos com o "curriculum" daqueles que admiramos, vemos quanto foi precoce a constatação de seus dotes. Não é mais possível ser um grande jogador de futebol; não se pode mais compor algo como "Sabiá"* aos 21 anos; nem escrever Queda que as mulheres têm para os tolos** também aos 21. É a famosa crise dos 21. Chegar aos 21 e não ter feito nada disso! ah! "Você ainda é novo...".

Eu sou adepto do fracasso. Da consciência dos dias passados, que é mais forte do que a esperança pelos que hão de vir. Uma abordagem cética? Hoje, sim. Hoje eu me rendo à mediocridade sem considerá-la a pior das coisas. Digestão incômoda. Escrevo pra legitimar a desistência em palavras. E, na verdade, isso é meio pedante. Dá a impressão de que fico sempre me auto-decapitando para suscitar nos outros uma reação de resgate de minha auto-estima. Se publico, oras, é porque vejo sim alguma importância. No entanto, faço do texto uma total expressão do que considero ser minha existência mediana. Entende? É um lance contraditório: eu mesmo me culpo. Mas não é depressivo, como a capa pode sugerir. É uma tristeza de caráter: enraizada, até normal.

Declaro minha impotência frente aos desafios todos. Chego num momento em que minhas forças perdem muito de seu altruísmo. Migram pro lado de cá. Se não há nada muito complexo a oferecer ao mundo, que me seja facultado o direito do desfrute "egoísta". Que sejam abolidas as noções de trivialidade, banalidade, superficialidade: tudo é lícito e bem-vindo na festa da vida. Foi-se o mocinho. (pensou em "veio o vilão"? essa era a isca. Pra mais nada serviu o "foi-se o mocinho"...rs) Todas essas comparações o fizeram perecer.

BREQUE. Esse último parágrafo foi uma piadinha de mau gosto. Uma brincadeirinha. Uma vã tentativa de prolongar um assunto que se esgotou. Essa baboseira de "impotência" e tudo o mais são falsos. Embora eu realmente ache que meus tempos de prodígio se foram; a despeito de eu achar também que nunca terei sucesso em minhas empreitadas artísticas, ainda há a chance da rosa nascer no asfalto. Existe a motivação de escrever no blog (e isso é mais estranho do que qualquer outra coisa, pois amanhã sempre odeio o que escrevo hoje, mas depois de amanhã volto a escrever); a busca incessante de uma composição (que há de sair!): aquele quezinho de fôlego que equilibra e torna melhor o ato de viver. Têm razão aqueles que não esperam de mim nada de "especial"; nada além do comum. Que fique claro, no entanto, que isso não abafará meu desejo de surpreendê-los.

Sentem-se.


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*música que Chico compôs com Tom aos 21 anos.
**obra de machado de assis escrita também aos 21 (pra completar a dupla e gerar sua inquietação: "ah, ele quer mostrar que conhece chico buarque e machado de assis...se acha cult")

Sugestão de tema: Sr. Molina, após ver uma matéria que falava sobre um garoto de 20 anos que dirigiu (ou escreveu) um filme super bacana. Isso foi trágico para o gustavo, já que ele já beira os 23 e "nada fez". "Um bom tema pra vc escrever no seu blog".

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sobre a relação contratual entre artista e fã.

Uma apresentação que coube dentro das minhas expectativas. Ele não parecia muito empolgado com o show. No entanto, representou bem.







Nenhum artista deve gostar de todos os shows. Falo dos consagrados mas talentosos (as duas coisas podem formar uma dicotomia, não?). São mais ou menos as mesmas músicas, com as mesmas pessoas tocando, pra uma “mesma” multidão anônima. Há as identificações específicas de cada artista, claro: um lugar ou uma data especiais que constituem a minoria das noites realmente deleitosas. A recompensa. No mais, tudo é basicamente ritual. Cantar músicas compostas há vários anos, mostrar entrega ao público, e, vez ou outra, até interagir. Buscar lampejos cômicos pra “quebrar o gelo”. O “algo a mais”. Uma relação contratual: o fã pagou ingresso para ver o artista que embala seus momentos bons; o artista tem de superar a si mesmo e fazer melhor do que fez na gravação. Há o contato, e a emoção está subentendida. Certo, certo... com certeza é melhor do que trabalhar*, mas tem sua dose de rotina. Vira o teatro da música: representação.

Parece-me penoso, depois de alguns anos de estrada, manter o tesão de viajar por aí pra tocar. É justamente o contrário do que se dá nos períodos de composição, anteriores às temporadas de shows. Isso na hipótese das duas coisas (criação / divulgação) acontecerem em espaços de tempo distintos. Bom, mesmo quando os dois “extremos” são indissociáveis, a criação deve ser como um respiro, uma notícia de sol**. Alivia os possíveis fardos da divulgação. Naquela cidade e momento em que o artista precisa lembrar quem é, compõe.

Aí sim! Imagino um processo mais inerente ao “caráter” do autor. Criar. Algo que acontece porque tem de acontecer. Uma necessidade fisiológica (nem tanto!). Silêncio. Age (trabalha) sozinho, desafiando o ritmo do mundo. Um tempo só seu. Se muito, pede opiniões àquelas pessoas mais próximas. É quando ainda é dono de sua obra. Pode ajustar suas minúcias e brincar de reinventá-la amiúde. Curte sua cria antes que ela ganhe o mundo e saia de sua jurisdição. O diálogo entre o autor e sua obra. Depois, se o resultado agradar, é hora de lançá-la aos fãs, afoitos por novidade, ávidos de cultura.

Ponderemos.

Óbvio que deve ser bastante gratificante ouvir uma multidão cantando sua música. Mas isso logo após sua divulgação, como uma resposta do público: como o reflexo da recepção da arte por parte de seus consumidores. Porra! Chegar no palco e ser ovacionado depois de alguns meses de produção. O reencontro. Bacana, talvez incomensurável.

Passada essa fase do novo, vêm as grandes temporadas de promoção e divulgação do disco, e aí a arte vira trabalho. O artista perde seu estigma de "fazer o que gosta" e necessita cumprir obrigações formalmente contratadas. Há de se ir nas rádios, conceder entrevistas a repórteres cada vez mais leigos, cumprir um set list (tocar aquela que "não pode faltar"), e tirar fotos com os fãs mais abastados que pagaram pela área vip e pelo direito de ir ao camarim. Sua arte invoca uma invasão de todas as outras esferas de sua vida. Sua assinatura muda de nome. Então, o artista vira ornamento de orkut. "Eu conheço o camelo", dizia a legenda da foto abaixo. Ele (camelo) não parece lá tão satisfeito...




Esse texto já me cheira a mais um dos destinados às profissões que parecem muito fáceis, e são, mas também não são. Não sei se estou sendo minimamente claro: jogar bola e cantar é melhor do que trabalhar, mas, quando levados como meio de vida, trazem consigo umas chatices: é trabalho também. Tal como sexo em die e hora marcados, o show programado por um produtor, seis meses antes de seu acontecimento, pode não corresponder a todas as expectativas que o circundam. Há coisas que não combinam com o compromisso, embora sejam estritamente necessárias num mundo prático.



Mas dane-se! Com ou sem o prazer do artista, adoro ir a shows. E o do Marcelo, como certamente notaram, tem algo a ver com isso aqui. Meu pretexto. Foi como a chance única de estar presente em dois momentos de um mesmo artista. Era o Marcelo Camelo, num voz e violão que me agrada, cheio de sutileza e melodia, e era o vocalista dos Hermanos, que tocou "Além do que se vê" e transportou a platéia aos shows da extinta banda, cheio de emoções e alusões. Enfim, o show foi o que eu construi pra mim mesmo. Vi o que esperava ver. Inconscientemente, cumpri o ritual implícito no evento: suas regras informais e seu universo superior. "Que foda ficou essa!", "Pô, se ele tocar 'De onde vem a calma' eu me atiro no palco!"


(A grande distinção da emoção de um show e de um jogo de futebol, é a infabilidade daquele em detrimento da incerteza deste. Num show, "sabe-se" o que vai ser tocado: vamos prontos e dispostos a gritar e bater palmas [quem grita mais alto as letras - todas -, é o fã número 1]. Num jogo, a predisposição existe. A emoção, porém, depende do desempenho de nosso time: podemos nos arrepender e jurar - em vão - nunca mais voltar, e podemos ficar contentes pela escolha de correr o risco. Intensidade. )

Texto prolixo. Que eu termine:

Paguei mais do que eu devia. Esperei com certa angústia. Desfrutei da companhia de duas pessoas bacaníssimas (dani e daniel). Nem cogitei a possibilidade de o Camelo não estar ali com toda a sua vontade. Curti pra caralho! Mas, passados esses quinze dias... acho que ele, naquela noite, preferia estar comendo uma pizza.

Ou uma menininha de, sei lá, uns 16 aninhos... ***
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P.S: Ruivo, tá aí!
P.S.2: Bom, fui simplista, e talvez não tenha ponderado como deveria, pela tal da complexidade. Algum artista diria que eu não tenho cabedal pra julgar suas emoções. Que me seja permitido especular, ao menos.
Foto 1: pra te assustar!
Foto 2: a Sra. Ética pediu que eu razurasse a lata do rapaz. Mas a legenda realemnte dizia: "eu conheço o Camelo". Bom, sei de alguém que diria: "E eu tenho axilas!".
* Sem tanto rigor, vai. é notória a ironia. foi mais pra remeter àqueles comentários que não vêem um "trabalho" nas funções do artista. ou do professor.
** "Notícias de sol" é o nome de uma música do Brandão, amigo do meu irmão! e achei o termo fantástico.
***Acho horrível ter de aguentar críticas quanto a esse namoro de camelo e malu magalhães. Quem não gosta do cara, que não use isso pra justificar a aversão. Que ele pegue quem quiser. Curto seu som, não sua vida sexual. (se é que, nesse caso, há.)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os bancos da faculdade de história





Quem viu aquele par de ótimos filmes: "O Declínio do Império Americano" e "As invasões bárbaras"? São fantásticos, mas essa impressão cada um teve ou terá ao assisti-lo: não cabem aqui meus recônditos elogios. Só uso-os como ensejo pra falar sobre o destino das amizades. O segundo dos filmes é gravado 17 anos depois do primeiro, com os mesmos atores/personagens. Tenta reconstituir os laços de um grupo de amigos que foi separado pelas tais das escolhas que a vida nos impõe. "As invasões bárbaras" é encontro de memórias, é nostalgia, é o lembrar por anedotas. Voltar ao passado pra fazê-lo melhor.



Isso tudo pra falar de um comentário que o miragaia fez há um tempinho. Ele falou sobre o futuro das reuniões despojadas lá nos bancos da faculdade de história (e que podem simbolizar as reuniões nos outros tantos prédios de tantas outras faculdades). Sobre aquele instinto adquirido de, ao chegar à faculdade, olhar pros cantos do prédio e procurar algum amigo. Por vontade de conversar sobre coisas menores: subtrair um pouco da seriedade implícita no lugar. A academia. Esse nome medonho! Como se passássemos por um treinamento mental. Se isso existe, meu caráter picareta pode ser comparado aos atletas que tomam anabolizantes. Aparentemente, tenho treinado, mas, de verdade, é só desleixo. (Dispenso os alertas de que estou usando dinheiro público e devo me esforçar ao máximo). Minha academia também é ouvir as canalhices de uns, as posições reaças ou inconformadas de outros, as indecisões, os machismos, as classificações de meu gosto musical (de corno), e os projetos pro fim de semana. É o além-aula. Calma: estudar é bacana pra caramba também! Mas pode ser feito em casa ou qualquer outro lugar. O que dá sentido à faculdade são as pessoas. Afinidades. Quanto mais afastado delas, mais insípido fica o ambiente universitário.




Os bancos da história, por isso, confortam. O que será deles daqui uns anos? (pra não dizer de nós) Outros grupos de amigos farão daqueles lugares seu ponto de encontro. Nosso espaço vê o tempo prevalecer. A proximidade da formação assusta. Volta-se às fases em que escolhas tem de ser feitas em detrimento de outras. Há de se pensar no futuro novamente. O discurso "de velho" já não é tão longínquo assim. Responsabilidades começam a ultrapassar os prazeres. Amigos se formando, indo trabalhar. Outros projetando mestrado ou vislumbrando outra graduação. Uns até planejando casamento. A realidade é inexorável: um dia nos alcança. Anuncia a necessidade de se aproveitar um pouco melhor as coisas. Talvez eu sinta mais falta da faculdade do que eu imaginei no meu primeiro semestre. Vivo um caminho inverso. Hoje estudo mais, tenho mais contatos e desejo estar por lá. Vejo bons motivos. Empolgo-me com a alegria da turma da dani, que vive uma fase de reconhecimento e ainda não precisa sofrer algumas pressões.



O miragaia levantou a possibilidade de não nos afastarmos definitivamente. De simular novos bancos da história por aí. Algumas ferramentas que poderiam atenuar a distância que naturalmente surgirá. Os encontros físicos deverão mesmo ser cada vez mais raros. Compromissos, outras pessoas pra rever, preguiça. Ele falou do blog, mas não sei quanto tempo isso aqui irá durar. As pessoas vão perdendo a paciência. Pra algumas, só o email de divulgação de um novo texto já deve causar repúdio. Este espaço serve bastante pra quem busca saber um pouco mais de minhas opiniões, e me ajuda mais ainda a notar semelhanças. As omissões dizem muito também. O mais misterioso é imaginar alguém que passa por aqui "por acaso" e não se manifesta pela impressão de que os textos são muito restritos a um grupo.


O provável, como eu disse e é óbvio, é que nossas relações se tornem cada vez mais superficiais e que grupos cada vez menores mantenham contato. Nossos amigos de colegial já não são tantos (Ah, os tempos de ETE!); os de infância quase sumiram (o futebol no quintal de casa). No entanto, não dá pra ser tão frio com essas coisas. Sempre é bom pensar que pode ser diferente. Resistir à dureza da vida. Até pra não antecipar decepções, pra não permitir que as amizades prescrevam subitamente. Pra ficar imaginando qual será a galera que comporá a minha edição de "Invasões Bárbaras". Aqueles que, mesmo depois de muito tempo, sentirão prazer em estar ao meu lado pra rememorar algo. Falar de qualquer coisa passada. Enganar o futuro enquanto ele não chega.



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Legendas (como se fossem)

1) Uma das últimas cenas de "As invasões Bárbaras", quando os personagens se encontram pra relembrar.

2) Fachada do prédio de História e Geografia - FFLCH

3) é... não dá pra perceber que eu quis desfocar meu rosto, pra tentar dar a idéia de envelhecimento,né?rs... bom, mas é isso!

P.S.: além dos créditos ao miragaia, devo dizer que o gustavo também estimulou esse "desabafo". Ele é chato: cobrou referências e fica aqui, do meu lado, alertando pro tamanho do texto, que pode fazer com que algumas pessoas desistam de ler.

sábado, 1 de novembro de 2008

A volta. Lá pelas cinco pra uma.


Descobrir mais sobre a rua. Andar em meio à multidão com o fone de ouvido a ditar suas sensações. Não caminhar, apenas dar sentido à intangível trilha sonora que grita em sua mente. Optar por canções em inglês, por não entender a língua, e então dar-se a chance de supor que todas as palavras não precisam de sentido pra serem escritas. Ou que essas, que completam a música, retratam você. E seu momento. Esquecer que tudo virou objeto de análise e, naqueles instantes, sentir-se o melhor ser do mundo. Fazer com que tudo pareça seu cenário. Que as pessoas sejam seus figurantes. Inventar uma cena pra si mesmo. Olhar em preto e branco. Simular. Maravilhar o cotidiano para torná-lo texto. Procurar texto nos intervalos do dever. Ao menos nesses três minutos ofertados pela música, rir dos ínfimos problemas que precisamos ter. Os que procuramos pelo simples fato de exigirem resolução. Nossa afirmação. Ter a certeza de que ninguém suspeita de sua descoberta instantânea. Ao contrário, pelas expressões de bobeira facial por você emitidas, julgam-lhe maluco; um drogado qualquer. Ainda que alguém possa intuir o que estás a ouvir, não terá como captar a dimensão ritualística da canção. Aí, voltar a especular, a analisar. Rir disso também. Da tolice do mundo; da busca de uma função pra todas as coisas; das opiniões engessadas e peremptórias. Pensar que... ninguém sabe de nada. Que, enquanto você se move apenas pra não parar, todos eles procuram a superação do tempo, ou um emprego. Um uso. Julgar também a multidão, em sua unicidade. Não notar a moça que também vive uma cena singular, e que partilha de sua câmera onipresente, coletiva. A moça que você imagina para o texto, pois não a notou na hora, ora. E então suicidar seus minutos lentamente. Até um semáforo lhe barrar. Pra mostrar que você ainda não poderia resistir a um atropelamento. Pra dizer-lhe que sua hora de estrela não vale a pena. Até você notar que a música acabou. Que os fones não trazem mais um universo particular. Agora só abafam os sons da rua. E funcionam como seu relógio. Ao calar, ironizam. Dizem que sua descoberta já fora inventada e reinventada outras vezes. Que segundos belos são criados todos os dias, nas horas em que apenas eles podem substituir sua vontade de estar em outro lugar. Tempo infalível, e esgotado. A realidade se apresenta revirada, revoltante, dura. Sua única saída, agora, seria parar. Imaginar bloqueios e prostrar-se a cada metro avançado. Aumentar o caminho do restaurante ao trabalho. No elevador, contentar-se com o consolo de poder escrever tudo depois. De registrar seu roteiro sem fidelidade total. Poder fazer as coisas parecerem maiores do que realmente são. Protelar seu despertar e respirar fundo seus últimos segundos de horário de almoço...
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P.S.: só pra que isso aqui não fique sério demais. a permissão para as "viagens textuais". o retorno à irreflexão barata.

e esse texto, por amostragem, reflete o que acontece raramente comigo: momentos em que uma música vale mais que seu valor intrínseco. A foto é da rua xavier de toledo, por onde passo na hora do almoço. A música do dia foi "Mistaken for strangers", do The National, e até hoje eu preferi não procurar a tradução na net. Com o texto escrito, vou atrás.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Quem me vende uma opinião?



Quanto maior é a repercussão dos atos de violência, parece que mais desorientado eu fico. Toda opinião acerca de determinado caso me confunde mais um tanto. Não há mais certeza de quais reflexões são minhas e quais adentraram ao meu pensamento e dele passaram a pertencer. Confusão de argumentos e conclusões. Falo de idéias alheias como se tivesse acabado de formulá-las; lanço algo meu com a impressão de ter pedido de vista as origens de tal concepção. De tal apropriação, digo. Já nem creio naquilo que eu defendo. São pensamentos que só funcionam na superfície. São independentes: dispensam revisões. As palavras dos outros, no entanto, me são transplantadas ainda com vida! Ecoam. Misturam-se às minhas e lhes dão sentido para serem empregadas na análise específica que me disponho a ensaiar em dado momento.

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O certo é que opinar não é facultativo. Querendo ou não, temos de nos manifestar sobre os maiores espetáculos da violência. Sobre os ecolhidos da mídia. O recente caso da adolescente de Santo André é um exemplo suficiente. Em todos os ambientes sociais que frequentamos, não houve escapatória. Chefes, parentes, colegas, estranhos, especialistas: todos comentavam. Mesmo aqueles que se julgam maiores e se pensam imunes ao sensacionalismo, não puderam se esquivar das centenas de horas dispensadas à cobertura do evento. A tática dos seres inalienáveis é quase sempre a de errar ou de esquecer, de propósito (!), os nomes dos personagens do episódio: "Ahhh, você tá falando daquele negócio da menina, lá...a E... Elair, né? Não? Claro, claro...Eloá. Bom, é que eu não acompanho essas coisas...sensacionalismo barato, sabe?" Os mais trapaceiros até chegam a encenar o desconhecimento do fato: "Nossa, sério que todo mundo já tá sabendo? É que eu não assisto tv."

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Prefiro aqueles que, apesar de intelectuais, chegam à faculdade com o rosto esbaforido, confessando seu envolvimento com todas as questões suscitadas a partir da explosiva publicidade do ato. Sua adesão à discussão de um assunto nacional. Há uma espécie de alarme que toca e anuncia que todos podem despejar seus pontos de vista. (Alguns os defecam). Nesses momentos as diferenças de classe saem de cena e dão lugar ao fato comum a ricos e pobres. A lembrança de que todos são passíveis da violência. Lindemberg diz ter matado por amor. Assassinos do amor não se restringem às cohabs. Jovens ricos também amam, e podem matar. Estão na parte de dentro do condomínio: não podem ser barrados; sua arma é destinada à caça esportiva e à proteção pessoal. Talvez essa conclusão aproxime as pessoas, diminua as discrepâncias. A lembrança de que alguns traços ainda nos unem. Que sentimentos pulam muros e que só a razão pode ser blindada.

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O que se passa no cotidiano é a profusão de pessoas se expressando. Humanos tentando explicar atitudes humanas. Buscando desumanizá-las pra desenhar-se oposto ao criminoso da vez. Padecemos de uma necessidade de atribuir culpa a alguém. Pra uns, a imprensa agiu mal e tem culpa no desfecho. Pra outros, a polícia é que falhou ao optar por não atirar no rapaz. Há ainda quem culpe Eloá e sua mãe por conceberem um namoro de uma menina de doze anos com um menino de dezenove. Encarnamos a postura de um repórter cidadão, de um atirador de elite, e de seres que controlam seus instintos e sentimentos. Perde-se a mais plausível dimensão do ato. Torna-se imprecisa qualquer especulação sobre o fato de seu grau hediondo ser ou não ser merecedor de tal repercussão.

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A mim, ao menos, tudo soa indecifrável. Não sei quem devo odiar ou adorar. O que esperam que eu pense? Quais opiniões devo dar? Bom, devo raciocinar como se Eloá fosse uma pessoa genérica ou como se ela fosse minha irmã? Sim, pois os direitos humanos também são flexíveis (aquela velha pergunta: se me deixam sozinho com um assassino de alguém que eu amava, o que eu faço? Busco compreendê-lo ou descarrego minha indignação?). Como explicar a ética dos detentos, por exemplo, que condena certos crimes, e força as leis a moldarem-se para garantir a integridade daquele que ultrapassa o bom senso criminal? É tudo muito confuso! Não dêem ouvidos às minhas opiniões! Elas saem porque têm de sair. São efêmeras, pra sempre. (Que bosta! Isso soou como o clichê do "sou uma metamorfose ambulante"! Sempre acabo caindo em clichês!) O real e o fantástico. O real é fantástico. Informações demais que impossibilitam sua ordenação. A incerteza das próprias idéias. O perto e o longe.

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A desorientação.

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Tradicional P.S.: Sei que cansa, mas não é inoportuno mais um agradecimento! O último texto rendeu muito mais do que eu pensava! A velhinha fez sucesso! rs. Conto pra ela que todos adoraram vê-la no computador e ela sorri num misto de orgulho e satisfação!

sábado, 25 de outubro de 2008

Pra ela, que me espera



- Vó, vamos lá no seu quarto preu tirar uma foto sua com seus bonecos e pelúcias?


- Foto?


- É, pra pôr na internet, vó... no computador.


- Ah, naquele que você mostra sempre, né? que todo mundo pode ver...vamos, Bita! Aí você tira uma bem bonitinha...pra ficar uma lembrança bonita, né? (sorriso)


- Então vai, vó...pega o Bidu também (o gato)...e os bichinhos da parmalat.


- Ah, não! É só com o Chaves...os outros já estão velhos, Bita (risadas).



Entre uma trapalhada e outra, tirei várias fotos da velha! Com os bonecos, com o gato...e só com o Chaves, exigência da modelo. A foto que ilustra essa postagem é parte desse conjunto. Optei pela imagem traiçoeira, em construção, sem pose. Um pouco mais fiel. Mantive o pacto implícito, que consistia em dar destaque ao novo membro da família alternativa de minha vó: o Chaves! Certo dia dessa semana, ao chegar em casa, a velha me recebeu com a risonha novidade: "Bita, temos visita em casa. Ele veio do México pra ficar aqui...rs...está lá na sua cama, descansando". Era o boneco do Chaves (eu nunca imaginei que ela sabia a origem do Chaves!). O boneco é mal feito, desproporcional e oportunista: não importa! Pra ela, é igualzinho ao do "desenho". É seu mais novo xodó. No segundo dia de estada aqui em casa, ele já ganhou um colete de lã feito sob medida, "porque logo o frio chega, né, Bita...rs". Frio, vó? Ok, lindo o colete!



Minha vó é a pessoa que mais me alegra. Sua capacidade de criar afazares e afetos é comovente. Casada desde os trezes anos de idade devido a um acordo entre famílias (no Egito), ela viveu uma vida pro meu vô, falecido há 25 anos, e vive outra pros netos. Sempre espera nosso beijo atrasado pela manhã, arruma nossa cama e separa o chinelo pro final de semana. Aos 78 anos, ainda trabalha. Digo, ajuda meus pais na loja de embalagem e, como ela diz, "se distrai". Vira e mexe, aos risos, ela conta histórias de fregueses brincalhões que a chamam de "menininha" e a convidam pro forró. De tão concentrada em seu bordado, ela teve a proeza de estar na loja durante um assalto e não perceber nada! Nada mesmo! "O quê? levaram o carro, Noubar? ãh, entraram com arma aqui? que horor" (sim, não existe som de dois erres na pronúncia da egípcia!).



Com a graninha que ela junta na loja, mais a mesada que ganha dos netos, ela vai às compras em todas as "lojas de 1 real" aqui do bairro. Mas isso é o rotineiro, que todos que a conhecem já sabem. Cerca de um mês atrás, no entnato, realmente aconteceu algo de inusitado. Ao voltar de um bate-e-volta à cidade de Socorro, e após ter gasto 200 reais em presentes, bijouterias e roupas, a velha ficou duas noites sem dormir! Sério! Ela conta isso com uma felicidade imprevisível. "Bita, sabe quando você fica feliz por comprar as coisas que acha bonito? Nossa, eu comprei tanta coisa, né...fiquei tão contente que não dormi essas duas últimas noites". Mesmo conhecendo muito bem a velhinha, eu não esperava por isso. Foi inevitável a lembrança de quando ganhei meu primeiro video-game e varei algumas noites jogando. A diferença é que pra ela as "coisas" têm um poder mais de contemplação do que de uso, desfrute. É meio que uma legitimação do estar viva. Um sentido pra uma existência marcada pela submissão à figura masculina e à família. Minha vó nunca me deu presente de natal, nem de aniversário, nem nada. (E não lembro, sinceramente, de isso ter feito falta ou causado decepção) Sempre destinou seus lucros da loja às coisas "pra casa". Enquanto meu irmão e eu fomos seus companheiros de tarde, ela não precisava de nada além de sua presença pra nos cativar. Contava as mesmas e engraçadas histórias do egito e das peripécias de meu pai. Contava as mesmas piadas sem notar que já sabíamos os desfechos. Melhor, ria de suas piadas mesmo antes do final! isso hoje é mais raro...é coisa de feriado.



Agora, com meu irmão morando fora e eu usando a casa como dormitório, ela vibra cada instante de nossa companhia. Despeja todas as fofocas da semana em poucos minutos, fala das novidades da loja de 1 real e, não sei se pra redimir algo, nos dá pequenos presentes, cheios de simbolismo e cuidado. Perto dela, eu sou o menino que fugia da loja pra jogar bolinha de gude na calçada. Por algum motivo difícil de explicar eu não a culpo por absolutamente nada, não noto seus defeitos: admiro-os. Nem ouso falar mal de um possível impulso consumista que ela desenvolveu. Foi seu modo de driblar a solidão. De preencher um espaço que deixamos vazio. Um espaço ocupado pelos gatos, pelos bordados e pelas compras que desconhecem o glamour de um shopping. Se atrasamos o pagamento de mesada, ela cobra juros! "Igual o banco, Thiago" (gargalhadas!). É disso que falo: acho lindo quando vem dela! Vem com a ingenuidade de uma alma realmente "jovem ainda". Que só conhece seu bairro. Que chama o centro de "cidade". Que tem medo de escada rolante. Que tem a pachorra de fazer promessas que terceiros têm de cumprir! (sim, ELA prometeu à nossa senhora de aparecida que, se eu passasse na prova - vestibular - , EU teria de ir até Aparecida do Norte para agradecer!). Assim.



Sou um neto babão. Pra ela eu sou o Bita, um menino que gosta de falar como os apresentadores de jornal; que pede permissão pra ir tocar violão no quarto dela; que pede pra ela cortar banana em cima do açaí; que gosta de estudar de noite; que é chato quando fica corrigindo os enganos causados pelo sotaque dela ("barulhos" ao invés de "Guarulhos", "sábato" ao invés de "sábado", e aí vai!!!). Mais cedo, quando eu pedi pra ela posar pras fotos com os bichinchos, ela só sabia que apareceria no computador, e que a dani iria poder ver lá de São carlos. Usou a palavra "lembrança" como estímulo pra posar para uma foto oficial. Sentiu-se importante naquele momento...quis contar a todos:



- Cida, olha o que seu filho fez...rs...colocou eu e o Chaves no computador...


- Olha, meu filho (pro thiago), seu irmão é louco que nem você...rs






P.S.: quem quiser conhecer melhor a velhinha, veja!! : http://br.youtube.com/watch?v=Fz53V04rqSk

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sobre o MENDIGO. Impressões de sofá.




O mendigo é aquele que não nos causa medo. Não se impõe, implora com o olhar. É o autêntico desistente. Mendigo de verdade não quer ter um trabalho, uma família pra cumprimentar ou qualquer outro laço social. Rejeita a hospitalidade dos albergues e não aceita esmola demais. Quer o suficiente, ou pouco menos que isso: o imprescindível. O ócio de uma reserva monetária lhe é humilhante: mendigo tem de mendigar. Só assim ele existe! É a representação da coragem sem rodeios! Do fracasso pelado. ereto. O que não tolera acabamento; que não se disfarça. Mendigo é o que dorme várias vezes ao dia pra ser acordado. Odeia o sol porque traz com a luz uma multidão de pessoas pra sua sala, mas o ama porque o sustenta. Mendigo a gente não imagina se transa. Desconfia-se que se masturba, e seus "mendiguinhos" (espermatozóides) são despejados na calçada pra serem pisoteados por homens brancos inconscientes. Pra ZL, mendigo é mindingo.

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Em sua pré-abordagem, profetiza o constrangimento que irá causar e é capaz de dublar o "não tenho nada..." que sua "vítima" (seu carrasco!) encenará. A negação da esmola mascarada pela mentira do "só tenho o bilhete único"(e mendigo não usa transporte público: se arrasta) é o alimento de que o mendigo necessita para seguir à margem do sistema (!). Sobreviver de seus restos. O descaramento por nós destinado a ele é legitimador de sua "opção" pelo "ficar de fora". Nada pode lhe estimular a lutar pela ascensão social. Se obtivesse um sucesso raro, conseguiria um emprego de distribuidor de folhetos que trazem a figura ímpar de um astro da música nacional: "para vereador, vote Netinho ! do Negritude, mano!". Algo ali no centro mesmo, em casa. Ao invés de esmolar, saudaria os transeuntes com um "bom dia!" e ofertaria o folheto. Muitas pessoas abusariam de sua inteligència ao pegar o papel e jogar no próximo cesto de lixo (sendo otimista, tá...). Sabe, pra não ignorar...não "ficar chato".

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Sua atuação daria quase na mesma, mas não lhe seria possível rir por completo, pois não estaria totalmente entregue. Haveria algum indício de resistência triste. Melhor mendigar! Rebaixar-se à posição que carece da mínima credibilidade! A quem não se deve explicação! "Não tenho e pronto". Onde a falsidade soa falsa desde sua concepção: a mentira "automática", involuntária. A que nós dizemos. Melhor voltar à rua e esperar alguém que lhe jorre vitalidade. Alguém que tenha se preparado para triunfar sobre seu destino público. Que lhe responda: "tenho grana mas não quero te dar. não sei onde e pra quê irá usar... você tem cara é de bêbado! E eu também tenho medo de abrir minha carteira aqui...aqueles trombadinhas devem estar de trato com você: eu abro a carteira e zapt! ... sumiu. essa bolacha? na verdade eu gosto demais dela e não suporto que me peçam. Vai trabalhar!". Qual não seria a satisfação do mendigo! O tapa na cara! O jogo limpo numa vida sem barba feita nem banho tomado. A clara noção de estar fazendo o papel do vagabundo que justifica a busca da disciplina por todos os outros. O espelho pro qual o sorriso operário prefere não se abrir.

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Fede.




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P.S.: Tenho respondido aos comentários no email da galera, mas agradeço aqui mais uma vez pela força!! É foda!




crédito: ao "sorriso operário" que o Gustavo definiu como ninguém!


sábado, 4 de outubro de 2008

Conceber não é preciso


Ela gozava de um certo prestígio na comunidade: recebia as cartas e as direcionava aos respectivos destinatários; cuidava de crianças cujas mães eram atarefadas demais; promovia festas e bazares beneficentes; sempre tinha um café a oferecer às visitas. Ele, por sua vez, também era um contemporâneo exemplar: acordava mais cedo que eu; ia sempre aprumado ao trabalho; era solícito às ordens dos superiores (mesmo quando inúteis, indevidas ou amadoras); frequentava cursos de inglês e informática duas vezes por semana, e aos sábados pela manhã enfrentava aulas de como falar e se comportar em público. Ele brilhava no mundo dos negócios; ela era sinônimo de solidariedade e ternura.

Invariavelmente, não trocavam muitas palavras. Os diálogos só serviam para comunicar compromissos:


- Hoje chegarei uma hora mais tarde, não mais nem menos que isso, pois preciso resolver pendências de nosso futuro apartamento - dizia ele enquanto acertava o nó da gravata.


- Não há problema! Hoje, justamente hoje (!) eu prometi que iria visitar aquela minha amiga que está doente, e posso chegar exatamente a tempo de lhe servir o jantar - emendava ela, entretida com uma mancha tenaz que se instalou em seu pano-de-prato predileto.


As noites, é bem verdade, passavam juntos. Tão próximos e tão distantes quanto eu e esse texto. Pensavam no cansativo e repleto dia de hoje e planejavam o de amanhã. Sexo só faziam aos sábados, mas compensavam a abstinência do resto da semana com intermináveis 20 segundos de satisfação: era apenas ele pensar na garota que não conquistou em sua época de colégio e...pronto! Ela já havia decorado as caretas que anunciavam o orgasmo dele e, na hora exata, encenava o seu! Os dois aproveitavam o ar convidativo da luz apagada e dormiam virados para mundos opostos. O domingo viria e toda a culpa por possíveis deslizes seria paga diante de Deus, na missa das oito. Eles não tinham muito do que reclamar. Todos os tinham como modelo de vida harmoniosa, pacífica, compreensiva: conjugal. Acreditavam nisso e agradeciam por estarem juntos há vinte anos, sem discussões nem traições físicas.


Só um detalhe os desviava do destino ideal: nunca tiveram filhos. Nos primeiros anos de casamento, até procuraram auxilio médico, mas ambos foram considerados aptos à concepção. Como prudência e cautela eram-lhe qualidades abundantes, isso não os afligia, tão pouco desesperava. Quando fosse a vontade divina, num sábado qualquer, produziriam um herdeiro que, se a probabilidade for uma ciência confiável, seria eleito Presidente da República pelo PSDB, e ovacionado em seu discurso de posse onde a honra e a seriedade seriam aclamadas em todas as frases.


Agora, com a menopausa e a impotência se aproximando, talvez recorrecem mais uma vez à medicina para escapar dessa orfandade às avessas. Os colegas viviam angustiados pelo drama não sentido pelo casal. A vida não poderia se privar de uma estirpe desse calibre. A reprodução das espécies admiradas tinha de ser prioridade pro barbudo lá de cima. Neste mundo perfeito que Ele criou, não há espaço para a injustiça que recai sobre o nosso casal.


Se me fosse possível, lhes asseguro que pediria ao Criador que desse azo à preservação de seres paradigmáticos como os descritos aqui. Imagino até qual seria meu argumento para persuadir o Pai supremo. Diria eu:


-Enquanto a maior parte das pessoas busca a estabilidade, eles a têm e não conseguem transmitir. Vivem o que os outros sonham viver, mas não podem se fundir completamente. Dê-lhes essa lambuja na próxima noite de natal! (que cair no sábado).


O que receio é adivinhar sua resposta...simples, direta, Providencial:


- Concedo seu pedido, pobre militante do PCO (Partido das Cegonhas Ociosas). Mais do que depender do famigerado vigor sexual de nosso amigo, eles terão de se olhar e, mesmo que só por esta vez, notar que um não é apenas a principal aquisição do outro, e que não os fiz como metades perfeitas, mas eles é que moldaram-se e abdicaram da felicidade para alcançar o equílíbrio. Pra conquistarem um rebento, precisam reconquistar os seres frágeis e inconstantes que existem em si próprios.








terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sobre estar Só




Periodicamente, busco a solidão. Depois de fases efêmeras em que a vida social se mostra mais gentil e em que consigo cumprir razoavelmente minhas atribuições estudantis, sinto um esgotamento que tende a me afastar da existência pública. As boas aulas da faculdade perdem seu magnetismo; teatros, cinemas e casas de shows ficam pra mais tarde. Passo a querer estar em casa, deitado a violão, filmes, e leituras descontraídas. Saio do trabalho banal e corro em busca do prazer que só encontro aqui ! Colocar o pé no sofá, comer na sala, mijar de porta aberta: de verdade e sem culpa.



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O que pode parecer sombrio e melancólico, no meu caso, é benéfico demais. Nestas circunstâncias, isolo-me até mesmo pra lembrar da magnitude de tudo. Pra não esquecer que há outras coisas pra se fazer, que por diversas vezes serão por mim melhor aproveitadas do que uma aula, mesmo que tais coisas sejam as mais singelas ou aparentemente pouco profícuas atividades mundanas (exemplo: tocar sempre a mesma música, pra você mesmo). O mundo acadêmico é maravilhoso, mas cansa os que, como eu, carecem de disciplina e estabilidade. Fujo dele para retiros ignorantes mas revigorantes! Pra cultivar saudades...sentir falta...voltar ávido de conhecimento!
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aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
Ah, solidão! Quanto bem você me faz! Como afastamento voluntário (temporário), e não como reflexo de abandono, eu gosto. Uso parte desse tempo reciclado para pensar no que meus amigos podem estar fazendo (especulo sobre o que pensam numa digressão em meio à fala de um profesor prolixo); no que, por ventura, supõem que estou fazendo; quanto àqueles com quem já não tenho contato, imagino destinos: revivo algo bom. A maior parte do tempo, no entanto, eu reservo aos meus descompromissos. O certo é que estar sozinho é um ritual salutar à manutenção de minha saúde mental, mas também indispensável à doce loucura de imaginar que o mundo é, por um instante, só meu: vê-lo de fora...e notá-lo dentro de mim.
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P.S. Paradoxalmente, esta é uma solidão compartilhada, pois publicada.
P.S.2. Se preferir, considere tudo isso como uma inócua apologia à vadiagem (vagabundagem) ou aos sintomas iniciais da depressão. Associação sua.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Linha de Passe: o jogador de futebol



Como mote pra esse e pra outros possíveis textos, uso o filme de Walter Salles e Daniela Thomas, "Linha de Passe", magnífico, e que trata de um universo incomparavelmente mais amplo.
Ouvem-se aos montes comentários que colocam a vida de um jogador de futebol como "fácil": faz o que gosta, ganha fama, prestígio, e milhões. Para nós, torcedores, muitos deles poderiam ser substituídos pelo craque do nosso bairro ("Ah, até o Cadu joga mais que o Richarlison!"). O que determina qual o atalho para uma carreira dessas, curta mas suficiente? Quem decide quais meninos terão o privilégio de serem ovacionados por torcedores insanos?


A superfície da chamada indústria da bola é por demais traiçoeira. Incontáveis José's, Dudu's, Noubar's (é...talvez não), foram preteridos para que um Robinho brilhasse. O ritual da "peneira", promovido pelos grandes clubes do Brasil, representa o que é sem dúvida o mais concorrido vestibular do país. Ademais, sua forma de seleção não possui critérios objetivos nem previamente estabelecidos: vale a atenção e a boa vontade do "olheiro", como também um empresário que tenha bons contatos. Sua relação candidato/vaga é o retrato de uma sociedade cuja esperança é tenaz e quase cega. Pra esmagadora maioria dos garotos que se submetem a tais testes, o futebol é uma das unicas maneiras de ascender socialmente. Ou o emprego de operador de telemarketing; ou o crime; ou ser objeto de assistencia social; ou a bola.


Se conseguir utrapassar todos os obstáculos e alcançar a profissionalidade, o jogador tem agora uma nação a representar. É catalisador de emoções que variam a cada lance. Precisa honrar uma camisa pesada pela tradição que ele não construiu. Está na mira de torcedores que cada vez mais esperam produtividade ao invés de espetáculo. É alvo das cruéis "concentrações", que encarceram o aglomerado de jogadores sob o pretexto de contrtolar alimentação, sono e sexo: um atleta depende do seu corpo. Afinal, dizem os profissionais da bola, "carreira de jogador dura no máximo até os 40 anos...depois disso ele terá muito tempo pra curtir a vida." (Pô, ainda bem que brotam opções de lazer para a terceira idade a todo instante!) O estado psicológico, acima de tudo, tem de estar pronto para entender que um grande clube, principalmente no Brasil, traz muita responsabilidade consigo e não admite displicência, insubordinação, nem falta de determinação.


É óbvio que, a despeito disso tudo que eu citei, os jogadores ainda têm prazer em jogar futebol e, mais claro ainda, é o fato de eles não refletirem muito sobre a função social do futebol, até porque são bem pagos para treinar, concentrar, e jogar. Só. Uma pena é ver cada dia mais a boleirada se quebrando toda, reconstruindo joelhos, morrendo em campo. A robótica chegou aos campos e minha frustração de jogador amador diminui gradativamente, e vai sendo substituída pelo prazer da pelada descontraída do fim de semana.
P.S.:Qualquer idéia aqui apresentada sai de cena quando o meu São Paulo entra em campo: aí, sou mais um dos apaixonados.


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Pra um lugar seguro


Algumas pessoas têm virtudes que me causam sincera inveja. A principal destas virtudes - e, se eu soubesse disso antes, hoje não usaria meu tempo pra escrever - é a resignação diante da existência banal. Sentir-se feliz com a "vida que Deus me deu" é hoje meu sonho de criança. Se eu voltasse à minha infância, tentaria ser um bom filho, ter planos concretos: dar algum orgulho aos meus pais e à minha vó. É certo que eles, de certo modo, não reclamam daquilo que me tornei, mas não compreendem bem quais os motivos que me levaram a estudar algo sem muito reconhecimento, nem por que razão não tenho gana para trabalhar (diria que tenho uma preguiça demasiada), para ganhar mais grana e conquistar objetivos "normais" (roupas, eletrônicos, carro). Para os que me conhecem, nem é preciso citar a disparidade dos destinos de meu irmão e eu. Em momentos como esse, é ele quem eu queria ser. Por mais que eu sustente discursos humanistas, que tenha sonhado em mudar o mundo dando aulas de História, que questione as injustiças que nós, homens, impusemos à vida social, é meu irmão que ajuda meus pais. É ele que busca o tempo todo uma vida mais feliz; que demonstra carinho à família; que paga algumas de minhas contas sem tentar me fazer submisso. A despeito de minha hipocrisia, ele sim é o bom filho, neto, irmão.


Minha maneira neurastênica de viver só funciona com o auxílio do egoísmo. Enquanto minha mãe e minha vó arrumam minha cama, preparam minha comida e se preocupam com meu bem-estar, eu sigo em meus devaneios de aluno de Humanas que vê futilidades em quase todas as pessoas. Sigo frio com minha mãe, quase patriarcal: de uma maneira só as vezes consciente (como agora). Despejo nela dúvidas sobre sua qualidade maternal.


Nas horas vagas, minha mãe reza, minha vó vê novela e costura, meu pai...vê novela e come. Ah, minha irmã namora e meu irmão curte a vida de vários modos. Eu toco violão e escrevo, longe de todos eles. Muita gente já disse que a felicidade é maior quanto menor for a necessidade de entender a vida. O que penso, agora, é que talvez chegue pra todos o dia em que o fracasso dos sonhos seja nítido. Um momento de dizer a si: "Caraca, o mundo real não funciona do meu jeito. Preciso correr atrás do dinheiro que esnobei, das pessoas que me querem bem e de motivos pra ter alegria." É horrível imaginar que esta hora esteja chegando pra mim. Voltar à superfície pode não ter o efeito esperado. Talvez não seja possível voltar ao seu mundo, mamãe.


P.S: às pessoas que moram comigo, e que nunca irão ler isso aqui, beijos.

P.S2: aos amigos que têm me estimulado, beijos e abraços (pra machões que não aceitam beijos de macho).

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Narcisismo relativo

Ontem tive uma aula inesperada. Ela me renderá alguns dias de empolgação nos estudos. Quiçá mais tempo. Necessário mas não suficiente, como é de costume.
O que mais me instigou, no entanto, foi a reflexão que ela me proporcionou. Uma sensação de que meus pensamentos não fogem muito do convencional quando se trata de análises e julgamentos alheios. Falo da fofoca que se dá em nossa mente em algumas situações cotidianas: quando vemos alguma pessoa fazer algo que consideramos fútil; quando ouvimos uma conversa no ônibus e é preciso engolir um sorriso esnobe, involuntário; ou em quaisquer outros momentos propícios ao ato de compararnos aos que nos cercam. Isso acontece comigo o tempo todo (pensamentos como:"Que bosta esse cara tá falando!" "Ah, ninguém pode ter prazer em fazer musculação, em ver novela..." "Porra, será que ele pensa que casar virgem é realmente justificável? Senhor!"). E é até meio cruel, além de obviamente arbitrário. Apesar de parecer desleal, é inegavelmente prazeroso procurar defeitos nas pessoas. Defeitos que não julgamos possuir. De qualquer modo, não sou "do mal". Só começo a considerar-me mais um na tribo dos juízes sócio-factuais. Não me tome por arrogante, prepotente, convencido, etc. Ou tome, já que estamos falando de comparãções e julgamentos.
O catalisador desse impulso comparativo é o problema de não termos muitas oportunidades de conhecer profundamente as pessoas, acrescido do fato de pensarmos saber tudo sobre nós mesmos. Neste jogo desigual, optamos pela auto-confiança. Massageamos nosso ego para a vida fazer mais sentido. Talvez para justificar nossas escolhas. Para mascarar nossa mediocridade.
Foi na aula de ontem, ministrada pelo Flávio, que adotei a hipótese de que pensar assim é humano. Pré-julgar é nosso demais. Diria que quase uma neceessidade fisiológica. De auto-ajuda. Uma lisonja interior. Desqualificar o outro acaba sendo uma boa maneira de ornar a si próprio: uma dose diária de narcisismo.

domingo, 10 de agosto de 2008

D. R.

O que dizer? De todas as coisas indefiníveis, a que mais tem me causado conflitos é a de encontrar motivos para se ter um blog. Óbvio que a vontade de escrever é o principal, mas nem tanto. Já começo a considerar assaz relevante o fato de isso aqui funcionar como transmissor das sensações que eu não consigo demonstrar pessoalmente. Dia desses uma amiga me falou sobre isso: pelo blog ela pôde me conhecer um pouco mais. Ontem, outro amigo disse que às vezes dá uma passada por aqui. Pois então, tá aí! Não há dúvidas de que isso sim é importante. Seria muito mais fácil se eu me concentrasse em ser mais sociável, mas sei que não costuma dar certo. Minha sociabilidade tem uma parcela exclusivamente dependente do que eu escrevo. Nada de dizer que "escrevo pra viver". Muito longe disso! (Bom, "vivo pra escrever" dispensa comentários) O que acontece, simplesmente, é que acho legal. Por enquanto, sigo com o blog e agradeço aos amigos que o ressucitam de tempos em tempos.
E você pode achar tosco.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Conveniências

Difícil delimitar a fronteira tênue entre sinceridade e inconveniência (1). Mesmo porque a verdade, muitas vezes, é inconveniente, ou mesmo constrangedora. Até aqui: consensos. O livro que ando lendo fala um pouco da necessidade de cinismo, hipocrisia ou, no mínimo, omissão, para a sobrevivência social (2). Mas é uma bosta não conseguir mandar pessoas desprezíveis à merda (3). A submissão me leva a abdicar do direito de dizer a verdade. Mas aqui posso, consigo. E não o faço. Claro que nãO! Aqui é meu mundo virtual, e ele tem suas próprias verdades, que são nada mais que mentiras do mundo real, mas dissimuladas. Aqui eu tenho de vender a imagem de um menino que é alternativo aos estereótipos sociais. Que tem gostos cults, gosta de escrever e ainda torce pra que alguém leia. Aqui também não dá pra ser sincero, então. Essa é a única chance de não ser introvertido: não aproveito...me resguardo, acovardo.
Sem frescuras, tudo balela. Escrever isso é uma grande mentira. Tudo aqui é pensado com alguma antecedência. E revisado. Sou um babaca que mente o tempo todo.


(1) "tênue" é O adjetivo pra "fronteira", sempre. Pode reparar!
(2) "Elogio da loucura", Erasmo de Roterdam
(3) Mandar "à merda", pro meu pai, é o pior dos xingamentos.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Insinuantes arquibancadas


Sou um são-paulino. Ainda que com tentativas frustradas de abandono. Digo, não que eu tenha tentado torcer pra outro time, mas minha frustração consiste em não conseguir amenizar meu fanatismo por futebol. Jà nem tento mais. Tal obsessão me atrapalhou nos estudos, além de comprometer - por tomar tempo - possíveis aquisições intelecto-culturais; que tudo isso se dane. O caipira, o banguela, o bêbado, o senhor que sempre carrega o rádio à pilha, a garota que acompanha o namorado, e a mãe do juiz, são personagens que fazem falta a meninos que começaram cedo a frequentar partidas de futebol.


Ao entrar pra vida universitária, tendo escolhido um curso que sempre atenta para os perigosos caminhos da alienação, pensei que veria várias convenções hereditárias morrerem. A principal delas seria a religião. Era difícil entender como a fé poderia resistir à razão. Gente muito bacana crê em diferentes "doutrinas" e eu, apesar de seguir no "mau caminho", descobri o que talvez seja minha maneira de ser passional:


Resignadamente, adorar meu futebol.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Anseios sobre Turismo


Ontem um grupo de amigos lá da faculdade partiu pra Assunção. Quase fui. Até planejei, especulei, mas furei. Na verdade, nem sei o que eu faria na capital do Paraguai. Iria mais pelo impulso e pela vontade de conhecer novos lugares, quaisquer que sejam. Buenos Aires está na moda, principalmente pra nós, universitários. Enquanto brasileiros descem pra Buenos Aires e Bariloche, argentinos sobem pra Floripa e Rio de Janeiro. O bom está sempre lá fora. Ou nem é isso: só o idioma distinto já vale a pena para um "turista aprendiz". Eu mesmo não conheço nada do Brasil e, quando traço meus destinos, penso em ir pra fora daqui. O exótico nos atrai de uma maneira bem particular. O tal gurpo de amigos ainda está na estrada, e certamente já esquecera daquele que bateu na trave. Visitarão dezenas de lugares; Conhecerão uma infinidade de informantes; tudo de maneira efêmera. As fotos farão o papel das lembranças e a aproximação natural dessas pessoas será o principal legado da viagem.



Imagino-me lá, conhecendo o museu de arte do Paraguai, dizendo achar tudo muito bonito e, depois, lembrando que nunca entrei no nosso MASP. Hipocrisia de Turista! Enquanto eu almejo conhecer as pirâmides do Egito, minha vó, que viveu 30 anos lá, sequer pensou em dar um pulinho nos monumentos! O que sua cidade tem pra me vender? O que ela quer me vender?



Tudo muito estranho. Como é trágico ter de cogitar ir pra Porto Seguro na formatura do colegial...