segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Pra um lugar seguro


Algumas pessoas têm virtudes que me causam sincera inveja. A principal destas virtudes - e, se eu soubesse disso antes, hoje não usaria meu tempo pra escrever - é a resignação diante da existência banal. Sentir-se feliz com a "vida que Deus me deu" é hoje meu sonho de criança. Se eu voltasse à minha infância, tentaria ser um bom filho, ter planos concretos: dar algum orgulho aos meus pais e à minha vó. É certo que eles, de certo modo, não reclamam daquilo que me tornei, mas não compreendem bem quais os motivos que me levaram a estudar algo sem muito reconhecimento, nem por que razão não tenho gana para trabalhar (diria que tenho uma preguiça demasiada), para ganhar mais grana e conquistar objetivos "normais" (roupas, eletrônicos, carro). Para os que me conhecem, nem é preciso citar a disparidade dos destinos de meu irmão e eu. Em momentos como esse, é ele quem eu queria ser. Por mais que eu sustente discursos humanistas, que tenha sonhado em mudar o mundo dando aulas de História, que questione as injustiças que nós, homens, impusemos à vida social, é meu irmão que ajuda meus pais. É ele que busca o tempo todo uma vida mais feliz; que demonstra carinho à família; que paga algumas de minhas contas sem tentar me fazer submisso. A despeito de minha hipocrisia, ele sim é o bom filho, neto, irmão.


Minha maneira neurastênica de viver só funciona com o auxílio do egoísmo. Enquanto minha mãe e minha vó arrumam minha cama, preparam minha comida e se preocupam com meu bem-estar, eu sigo em meus devaneios de aluno de Humanas que vê futilidades em quase todas as pessoas. Sigo frio com minha mãe, quase patriarcal: de uma maneira só as vezes consciente (como agora). Despejo nela dúvidas sobre sua qualidade maternal.


Nas horas vagas, minha mãe reza, minha vó vê novela e costura, meu pai...vê novela e come. Ah, minha irmã namora e meu irmão curte a vida de vários modos. Eu toco violão e escrevo, longe de todos eles. Muita gente já disse que a felicidade é maior quanto menor for a necessidade de entender a vida. O que penso, agora, é que talvez chegue pra todos o dia em que o fracasso dos sonhos seja nítido. Um momento de dizer a si: "Caraca, o mundo real não funciona do meu jeito. Preciso correr atrás do dinheiro que esnobei, das pessoas que me querem bem e de motivos pra ter alegria." É horrível imaginar que esta hora esteja chegando pra mim. Voltar à superfície pode não ter o efeito esperado. Talvez não seja possível voltar ao seu mundo, mamãe.


P.S: às pessoas que moram comigo, e que nunca irão ler isso aqui, beijos.

P.S2: aos amigos que têm me estimulado, beijos e abraços (pra machões que não aceitam beijos de macho).

14 comentários:

PET - JAMAC disse...

Putz, adorei o seu texto! Análise aguda, interessante tom corrosivo-amável! No fim, somos todos humanos, demasiado humanos...

Anônimo disse...

cada vez mais inspirado...
bom, sempre conversamos sobre isso, e não é a toa que a possibilidade de mudar de curso já me rodeia
fazer o que...

Unknown disse...

Pois é... De que vale a torre de marfim, senão para cuspir nos que nos carregam??

Anônimo disse...

sobre o assunto: hum...


sobre o texto: vc realmente escreve bem para dedéu. Parabéns. Isso ainda pode te dar dinheiro. haha. Eu sei que é uma crise... que não é engraçado. Sorry.

Anônimo disse...

Poxa Noubar, sempre inspirado!
No fim das contas, são as contas que restam para pagar. Sei la, me sinto as vezes no meio disso tudo. Ao mesmo tempo que busco uma colacação na vida real, fico em como seria viver no mundo das Humanas.
Sempre me disseram isso, acho que vale a pena dizer: a dúvida é sempre o começo de algo novo. Bom ou mau o tempo vai dizer.

onavegante disse...

Noubar, pela primeira vez, me senti "obrigado" a deixar aqui meu comentário, e não apenas desaparecer sem deixar rastros, como normalmente faço. Realmente seu post revela algumas, senão muitas, das minhas atuais dúvidas, afinal como será viver nesse mundo "Humanas"? o que me aguarda o futuro? teria eu sonhado demasiadamente? Até quando será possível viver nesse meu mundo de fantasia/egoísta?

Noubar Sarkissian Junior disse...

Que ótimo vocês estarem comentando, galera!
repercutindo:

Karen, bem-vinda e muito obrigado! (aliás, preciso ler sua referência do Nietzsche)

Dani, vc é quem mais me atura...rs

Gustavo, sempre me fala da torre (e está passando atrás de mim nesse momento!)

Carol, já a considero uma das mais frequentes por aqui...e não é uma crise, crise...bom, talvez seja, mas nada tão ruim. è engraçado, sim! rs

Ruivo, se é assim, sigamos usufruindo da parte boa das dúvidas! Valeu

Pô, Brenito, até que enfim comentaste algo! E quão importante foi...bom, meu velho, mais um pro time dos indecisos (isso vc é!rs)

Até

PET - JAMAC disse...

Bom, a polêmica está posta. Será que o mundo da eficiência engoliu as humanidades? A produtividade e a quantificação da vida arrasou com outras possibilidades de existência, ou seja, aquelas que não se dedicam à usura?

Noubar Sarkissian Junior disse...

acho que não há como arrasar com tudo, até porque não é recente esse alijamento das ciências humanas e essa discriminação ao "modo de vida" do fflchiano, principalmente. Mas, certamente, alguns ficam pelo caminho. Ou mudam seu caminho...

Anônimo disse...

Eu realmente só entrei aqui para comentar a excelente qualidade do texto, principalmente pela forma que retrata sua angústia, problematiza e discute, imparcial e coerentemente, a situação que o aflinge.
Mas, dado os comentários de meus ilustres colegas, terei que tecer algum comentário.

Cara, você tocou no cerne da angústia, creio que de todos nós, que o acompanha nesta opção de vida. Realmente, para aqueles que buscam algum conhecimento, esclarescimento, bom senso esbarram nestes dilemas, mais ou menos expressos por você: humanidades/necessidades, racionalismo/alienação, intelectualidade/necessidades, bom-senso/ambições. Claro que somos humanos, e essas dúvidas, com maior ou menor intensidade, permeiam todos nós.
Só digo uma palavra de alento. Bem, se isso é mais ou menos normal, e inevitavelmente todos passamos por estes medos e acabamos por nos virar, e, principalmente, se esse é o dilema de grande parte da intelectualidade hoje e do passado, bem creio que essa angústia e medos são indiferentes ao nosso destino.
Só penso que, se você permanecer esse ser coerente e compreensível, inevitavelmente será uma boa pessoa, um adorável colega e um ser humano completo, nesse sentido. No fim o que importa é ser feliz e fazer os outros felizes, ou pelomenos antenuar algum mal.

Assinado: Coa, o da naja com a maçã.

Post Scriptum: Passo os beijos, aliás, os troco por uns bons punhos no queixo.

Noubar Sarkissian Junior disse...

Poxa, Coa! Que alegria me trouxe seu comentário.
Concordo com o que vc disse sobre "atenuar algum mal". Talvez já valha a ´pena só por isso.

Confesso que não esperava mais muita coisa dessa postagem, mas suas palavras realmente me foram bem importantes, homem da naja! rs

Valeu, valeu!

Unknown disse...

NOUBAR, obrigado pela entrevista daquele dia, ficou ótima!

Camila de Sá disse...

sinceridade é o que está aqui, neste texto maravilhoso.

parece que as palavras não conseguiram reduzir suas emoções... parece uma transcrição do coração ao papel...
vc escreve muito bem.

queria ter palavras que diminuíssem essas angústias, mas compartilho de muitas delas...

só acho que aquilo do final do texto poderia ser arriscado demais...
voltar à superfície talvez levasse embora destes mares um bom escritor.

obrigada pela visita, noubar!

Anônimo disse...

Poxa Bita acho que não deu muito certo seu Pós Escrito pois seu irmao aqui acabou lendo o que vc escreveu...rs.

Só tenho uma coisa a te dizer mano: Você é sim um cara de sucesso e que traz muito orgulho a nossos pais, não fique frustrado com comparações e nem tente se inferiorizar por isso, as vezes nós é que não estamos preparados para você, porém pode perguntar aos meus amigos com que orgulho digo sobre seus feitos academicos e forma autentica de ser.

Nós vivemos em uma sociedade onde para ser feliz as pessoas procuram seguir o script da felicidade e que na verdade cada um tem que ser feliz com aquilo que lhe agrada e faz sentir bem.

Enfim nao se preocupe pois alem de tudo vc escreve muito bem e tem o dom de comover as pessoas, eu ja li alguns textos e ate tive lagrimas nos olhos, sei que muitas vezes nos desentendemos e brigamos mas hoje morando longe eu te compreendo e respeito mais do que quando moravamos juntos, acho que vc deveria procurar ser mais compreensivo um pouco tambem com aqueles que te amam porem nao o compreendem, fica mais facil pra mim que estou de fora mas tirando nossa vó, é dificil para quem esta tao proximo.

Resumindo esse livro todo, tenho certeza que vc mesmo sendo diferente em alguns pontos sera muito feliz e percebera o quanto enche de orgulho seus familiares tambem. Pense nisso e se quiser conversar conte comigo.

Bjs Te amo