sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sobre a relação contratual entre artista e fã.

Uma apresentação que coube dentro das minhas expectativas. Ele não parecia muito empolgado com o show. No entanto, representou bem.







Nenhum artista deve gostar de todos os shows. Falo dos consagrados mas talentosos (as duas coisas podem formar uma dicotomia, não?). São mais ou menos as mesmas músicas, com as mesmas pessoas tocando, pra uma “mesma” multidão anônima. Há as identificações específicas de cada artista, claro: um lugar ou uma data especiais que constituem a minoria das noites realmente deleitosas. A recompensa. No mais, tudo é basicamente ritual. Cantar músicas compostas há vários anos, mostrar entrega ao público, e, vez ou outra, até interagir. Buscar lampejos cômicos pra “quebrar o gelo”. O “algo a mais”. Uma relação contratual: o fã pagou ingresso para ver o artista que embala seus momentos bons; o artista tem de superar a si mesmo e fazer melhor do que fez na gravação. Há o contato, e a emoção está subentendida. Certo, certo... com certeza é melhor do que trabalhar*, mas tem sua dose de rotina. Vira o teatro da música: representação.

Parece-me penoso, depois de alguns anos de estrada, manter o tesão de viajar por aí pra tocar. É justamente o contrário do que se dá nos períodos de composição, anteriores às temporadas de shows. Isso na hipótese das duas coisas (criação / divulgação) acontecerem em espaços de tempo distintos. Bom, mesmo quando os dois “extremos” são indissociáveis, a criação deve ser como um respiro, uma notícia de sol**. Alivia os possíveis fardos da divulgação. Naquela cidade e momento em que o artista precisa lembrar quem é, compõe.

Aí sim! Imagino um processo mais inerente ao “caráter” do autor. Criar. Algo que acontece porque tem de acontecer. Uma necessidade fisiológica (nem tanto!). Silêncio. Age (trabalha) sozinho, desafiando o ritmo do mundo. Um tempo só seu. Se muito, pede opiniões àquelas pessoas mais próximas. É quando ainda é dono de sua obra. Pode ajustar suas minúcias e brincar de reinventá-la amiúde. Curte sua cria antes que ela ganhe o mundo e saia de sua jurisdição. O diálogo entre o autor e sua obra. Depois, se o resultado agradar, é hora de lançá-la aos fãs, afoitos por novidade, ávidos de cultura.

Ponderemos.

Óbvio que deve ser bastante gratificante ouvir uma multidão cantando sua música. Mas isso logo após sua divulgação, como uma resposta do público: como o reflexo da recepção da arte por parte de seus consumidores. Porra! Chegar no palco e ser ovacionado depois de alguns meses de produção. O reencontro. Bacana, talvez incomensurável.

Passada essa fase do novo, vêm as grandes temporadas de promoção e divulgação do disco, e aí a arte vira trabalho. O artista perde seu estigma de "fazer o que gosta" e necessita cumprir obrigações formalmente contratadas. Há de se ir nas rádios, conceder entrevistas a repórteres cada vez mais leigos, cumprir um set list (tocar aquela que "não pode faltar"), e tirar fotos com os fãs mais abastados que pagaram pela área vip e pelo direito de ir ao camarim. Sua arte invoca uma invasão de todas as outras esferas de sua vida. Sua assinatura muda de nome. Então, o artista vira ornamento de orkut. "Eu conheço o camelo", dizia a legenda da foto abaixo. Ele (camelo) não parece lá tão satisfeito...




Esse texto já me cheira a mais um dos destinados às profissões que parecem muito fáceis, e são, mas também não são. Não sei se estou sendo minimamente claro: jogar bola e cantar é melhor do que trabalhar, mas, quando levados como meio de vida, trazem consigo umas chatices: é trabalho também. Tal como sexo em die e hora marcados, o show programado por um produtor, seis meses antes de seu acontecimento, pode não corresponder a todas as expectativas que o circundam. Há coisas que não combinam com o compromisso, embora sejam estritamente necessárias num mundo prático.



Mas dane-se! Com ou sem o prazer do artista, adoro ir a shows. E o do Marcelo, como certamente notaram, tem algo a ver com isso aqui. Meu pretexto. Foi como a chance única de estar presente em dois momentos de um mesmo artista. Era o Marcelo Camelo, num voz e violão que me agrada, cheio de sutileza e melodia, e era o vocalista dos Hermanos, que tocou "Além do que se vê" e transportou a platéia aos shows da extinta banda, cheio de emoções e alusões. Enfim, o show foi o que eu construi pra mim mesmo. Vi o que esperava ver. Inconscientemente, cumpri o ritual implícito no evento: suas regras informais e seu universo superior. "Que foda ficou essa!", "Pô, se ele tocar 'De onde vem a calma' eu me atiro no palco!"


(A grande distinção da emoção de um show e de um jogo de futebol, é a infabilidade daquele em detrimento da incerteza deste. Num show, "sabe-se" o que vai ser tocado: vamos prontos e dispostos a gritar e bater palmas [quem grita mais alto as letras - todas -, é o fã número 1]. Num jogo, a predisposição existe. A emoção, porém, depende do desempenho de nosso time: podemos nos arrepender e jurar - em vão - nunca mais voltar, e podemos ficar contentes pela escolha de correr o risco. Intensidade. )

Texto prolixo. Que eu termine:

Paguei mais do que eu devia. Esperei com certa angústia. Desfrutei da companhia de duas pessoas bacaníssimas (dani e daniel). Nem cogitei a possibilidade de o Camelo não estar ali com toda a sua vontade. Curti pra caralho! Mas, passados esses quinze dias... acho que ele, naquela noite, preferia estar comendo uma pizza.

Ou uma menininha de, sei lá, uns 16 aninhos... ***
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P.S: Ruivo, tá aí!
P.S.2: Bom, fui simplista, e talvez não tenha ponderado como deveria, pela tal da complexidade. Algum artista diria que eu não tenho cabedal pra julgar suas emoções. Que me seja permitido especular, ao menos.
Foto 1: pra te assustar!
Foto 2: a Sra. Ética pediu que eu razurasse a lata do rapaz. Mas a legenda realemnte dizia: "eu conheço o Camelo". Bom, sei de alguém que diria: "E eu tenho axilas!".
* Sem tanto rigor, vai. é notória a ironia. foi mais pra remeter àqueles comentários que não vêem um "trabalho" nas funções do artista. ou do professor.
** "Notícias de sol" é o nome de uma música do Brandão, amigo do meu irmão! e achei o termo fantástico.
***Acho horrível ter de aguentar críticas quanto a esse namoro de camelo e malu magalhães. Quem não gosta do cara, que não use isso pra justificar a aversão. Que ele pegue quem quiser. Curto seu som, não sua vida sexual. (se é que, nesse caso, há.)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os bancos da faculdade de história





Quem viu aquele par de ótimos filmes: "O Declínio do Império Americano" e "As invasões bárbaras"? São fantásticos, mas essa impressão cada um teve ou terá ao assisti-lo: não cabem aqui meus recônditos elogios. Só uso-os como ensejo pra falar sobre o destino das amizades. O segundo dos filmes é gravado 17 anos depois do primeiro, com os mesmos atores/personagens. Tenta reconstituir os laços de um grupo de amigos que foi separado pelas tais das escolhas que a vida nos impõe. "As invasões bárbaras" é encontro de memórias, é nostalgia, é o lembrar por anedotas. Voltar ao passado pra fazê-lo melhor.



Isso tudo pra falar de um comentário que o miragaia fez há um tempinho. Ele falou sobre o futuro das reuniões despojadas lá nos bancos da faculdade de história (e que podem simbolizar as reuniões nos outros tantos prédios de tantas outras faculdades). Sobre aquele instinto adquirido de, ao chegar à faculdade, olhar pros cantos do prédio e procurar algum amigo. Por vontade de conversar sobre coisas menores: subtrair um pouco da seriedade implícita no lugar. A academia. Esse nome medonho! Como se passássemos por um treinamento mental. Se isso existe, meu caráter picareta pode ser comparado aos atletas que tomam anabolizantes. Aparentemente, tenho treinado, mas, de verdade, é só desleixo. (Dispenso os alertas de que estou usando dinheiro público e devo me esforçar ao máximo). Minha academia também é ouvir as canalhices de uns, as posições reaças ou inconformadas de outros, as indecisões, os machismos, as classificações de meu gosto musical (de corno), e os projetos pro fim de semana. É o além-aula. Calma: estudar é bacana pra caramba também! Mas pode ser feito em casa ou qualquer outro lugar. O que dá sentido à faculdade são as pessoas. Afinidades. Quanto mais afastado delas, mais insípido fica o ambiente universitário.




Os bancos da história, por isso, confortam. O que será deles daqui uns anos? (pra não dizer de nós) Outros grupos de amigos farão daqueles lugares seu ponto de encontro. Nosso espaço vê o tempo prevalecer. A proximidade da formação assusta. Volta-se às fases em que escolhas tem de ser feitas em detrimento de outras. Há de se pensar no futuro novamente. O discurso "de velho" já não é tão longínquo assim. Responsabilidades começam a ultrapassar os prazeres. Amigos se formando, indo trabalhar. Outros projetando mestrado ou vislumbrando outra graduação. Uns até planejando casamento. A realidade é inexorável: um dia nos alcança. Anuncia a necessidade de se aproveitar um pouco melhor as coisas. Talvez eu sinta mais falta da faculdade do que eu imaginei no meu primeiro semestre. Vivo um caminho inverso. Hoje estudo mais, tenho mais contatos e desejo estar por lá. Vejo bons motivos. Empolgo-me com a alegria da turma da dani, que vive uma fase de reconhecimento e ainda não precisa sofrer algumas pressões.



O miragaia levantou a possibilidade de não nos afastarmos definitivamente. De simular novos bancos da história por aí. Algumas ferramentas que poderiam atenuar a distância que naturalmente surgirá. Os encontros físicos deverão mesmo ser cada vez mais raros. Compromissos, outras pessoas pra rever, preguiça. Ele falou do blog, mas não sei quanto tempo isso aqui irá durar. As pessoas vão perdendo a paciência. Pra algumas, só o email de divulgação de um novo texto já deve causar repúdio. Este espaço serve bastante pra quem busca saber um pouco mais de minhas opiniões, e me ajuda mais ainda a notar semelhanças. As omissões dizem muito também. O mais misterioso é imaginar alguém que passa por aqui "por acaso" e não se manifesta pela impressão de que os textos são muito restritos a um grupo.


O provável, como eu disse e é óbvio, é que nossas relações se tornem cada vez mais superficiais e que grupos cada vez menores mantenham contato. Nossos amigos de colegial já não são tantos (Ah, os tempos de ETE!); os de infância quase sumiram (o futebol no quintal de casa). No entanto, não dá pra ser tão frio com essas coisas. Sempre é bom pensar que pode ser diferente. Resistir à dureza da vida. Até pra não antecipar decepções, pra não permitir que as amizades prescrevam subitamente. Pra ficar imaginando qual será a galera que comporá a minha edição de "Invasões Bárbaras". Aqueles que, mesmo depois de muito tempo, sentirão prazer em estar ao meu lado pra rememorar algo. Falar de qualquer coisa passada. Enganar o futuro enquanto ele não chega.



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Legendas (como se fossem)

1) Uma das últimas cenas de "As invasões Bárbaras", quando os personagens se encontram pra relembrar.

2) Fachada do prédio de História e Geografia - FFLCH

3) é... não dá pra perceber que eu quis desfocar meu rosto, pra tentar dar a idéia de envelhecimento,né?rs... bom, mas é isso!

P.S.: além dos créditos ao miragaia, devo dizer que o gustavo também estimulou esse "desabafo". Ele é chato: cobrou referências e fica aqui, do meu lado, alertando pro tamanho do texto, que pode fazer com que algumas pessoas desistam de ler.

sábado, 1 de novembro de 2008

A volta. Lá pelas cinco pra uma.


Descobrir mais sobre a rua. Andar em meio à multidão com o fone de ouvido a ditar suas sensações. Não caminhar, apenas dar sentido à intangível trilha sonora que grita em sua mente. Optar por canções em inglês, por não entender a língua, e então dar-se a chance de supor que todas as palavras não precisam de sentido pra serem escritas. Ou que essas, que completam a música, retratam você. E seu momento. Esquecer que tudo virou objeto de análise e, naqueles instantes, sentir-se o melhor ser do mundo. Fazer com que tudo pareça seu cenário. Que as pessoas sejam seus figurantes. Inventar uma cena pra si mesmo. Olhar em preto e branco. Simular. Maravilhar o cotidiano para torná-lo texto. Procurar texto nos intervalos do dever. Ao menos nesses três minutos ofertados pela música, rir dos ínfimos problemas que precisamos ter. Os que procuramos pelo simples fato de exigirem resolução. Nossa afirmação. Ter a certeza de que ninguém suspeita de sua descoberta instantânea. Ao contrário, pelas expressões de bobeira facial por você emitidas, julgam-lhe maluco; um drogado qualquer. Ainda que alguém possa intuir o que estás a ouvir, não terá como captar a dimensão ritualística da canção. Aí, voltar a especular, a analisar. Rir disso também. Da tolice do mundo; da busca de uma função pra todas as coisas; das opiniões engessadas e peremptórias. Pensar que... ninguém sabe de nada. Que, enquanto você se move apenas pra não parar, todos eles procuram a superação do tempo, ou um emprego. Um uso. Julgar também a multidão, em sua unicidade. Não notar a moça que também vive uma cena singular, e que partilha de sua câmera onipresente, coletiva. A moça que você imagina para o texto, pois não a notou na hora, ora. E então suicidar seus minutos lentamente. Até um semáforo lhe barrar. Pra mostrar que você ainda não poderia resistir a um atropelamento. Pra dizer-lhe que sua hora de estrela não vale a pena. Até você notar que a música acabou. Que os fones não trazem mais um universo particular. Agora só abafam os sons da rua. E funcionam como seu relógio. Ao calar, ironizam. Dizem que sua descoberta já fora inventada e reinventada outras vezes. Que segundos belos são criados todos os dias, nas horas em que apenas eles podem substituir sua vontade de estar em outro lugar. Tempo infalível, e esgotado. A realidade se apresenta revirada, revoltante, dura. Sua única saída, agora, seria parar. Imaginar bloqueios e prostrar-se a cada metro avançado. Aumentar o caminho do restaurante ao trabalho. No elevador, contentar-se com o consolo de poder escrever tudo depois. De registrar seu roteiro sem fidelidade total. Poder fazer as coisas parecerem maiores do que realmente são. Protelar seu despertar e respirar fundo seus últimos segundos de horário de almoço...
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P.S.: só pra que isso aqui não fique sério demais. a permissão para as "viagens textuais". o retorno à irreflexão barata.

e esse texto, por amostragem, reflete o que acontece raramente comigo: momentos em que uma música vale mais que seu valor intrínseco. A foto é da rua xavier de toledo, por onde passo na hora do almoço. A música do dia foi "Mistaken for strangers", do The National, e até hoje eu preferi não procurar a tradução na net. Com o texto escrito, vou atrás.