quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

À Prova





Temos de definir o que seremos antes de sabermos o que somos.


- No saguão da Universidade onde fiz as provas de segunda fase, em todos os dias um casal de orientais sentava junto à parede, cerca de uma hora antes do início das provas, dava as mãos, e ouvia algo no Ipod. Algo que me perturbava a curiosidade, mas que poderia ser tanto um hit eletrônico, quanto músicas de relaxamento compostas com "sons da natureza", quanto nada, mas simplesmente um aviso implicito de "não nos perturbe";

- Dentro da sala de aula, um candidato que sentou os quatro dias do meu lado esquerdo, antes de começar a resolver as questões, benzia cada uma das páginas da prova. Era um ritual altamente prejudicial ao meu desempenho, pois era impossível desviar a atenção daquele rapaz, demasiado religioso, que freneticamente pedia ajuda aos céus, e era como se precisasse mostrar cada questão ao todo poderoso. Um dos fiscais, no fatídico dia da prova de física, fora por mim surpreendido ao esboçar um risinho no meio das preces;

- Na saída era um burburinho comparável ao que ouvíamos/fazíamos na hora de nosso recreio, nos tempos de escola. Cada constatação de erro era motivo para lamúria, e cada acerto confirmado pelo colega japonês era o começo de um "yes!";

- Nas provas de aptidão, éramos todos caricaturas. Gente de todo o estado, gente de fora do estado, músicos profissionais que pouco sabiam de matemática, vestibulandos compulsivos que sabiam pouco de música, músicos de Deus, e músicos do Diabo: cada qual com sua história tremendamente particular, agrupados por razões estranhas às conversas, mas rapidamente compreendidas quando alguém esboçava as primeiras notas. Ainda não éramos amigos, mas, tocando, fingíamos ser.


Em todo esse processo eu me senti bastante à vontade, sempre gozando de uma sensação paradoxal: ao mesmo tempo em que eu participava do vestibular, eu também o via de uma posição mais afastada, menos apegada. Ali eu era um graduado tentando reinventar seu destino. No entanto, aquilo não era meu único destino. Se não desse certo, apelaria aos tantos outros que já pediram espaço em meus pensamentos. Isso certamente me rendeu certa vantagem no que diz respeito ao preparo emocional pra essa bateria sacal de exames. Tal tranquilidade não perdurara até as provas de aptidão, mas, só por ter me levado a elas, já teve sua hora de ser decisiva. Agora que não há mais o que fazer senão esperar, vejo a sensação de distanciamento se esvair, e me junto a todos que aguardam os resultados para dar rumos às suas vidas. Acabo escravo do que eu mesmo procurei, e noto que minha dificuldade de me projetar como "gente grande" só aumenta com o passar dos anos. Enquanto cresce meu passado, sei cada vez menos de meu futuro.

Todo aquele papo de destinos independentes do vestibular ainda existe, e é verdadeiro, mas após tanto sacrifício psicológico, não há como dizer que a preferência não é voltar à universidade, e dessa vez com o violão não mais levado nas coxas, mas licitamente nas costas, como material escolar que pretende ser.


Quando eu lhe disser que encontrei o meu destino, não dê ouvidos: dê de ombros e marque um novo encontro para a semana seguinte.




domingo, 3 de janeiro de 2010

Tempo Seu


                                                         (clique sobre a imagem para ampliá-la)


Há cerca de um ano eu publiquei aqui minha primeira "canção oficial" ("Abandonar") e, após promessas de fazer um arranjo melhorzinho, de gravar um arquivo de áudio com mais canais e tal, acabei deixando por isso mesmo. No fundo, é mais uma vontade de fazer música e uma preguiça de acabá-las. Por enquanto, que fiquem ilimitadas.

Hoje publico a terceira (?) de minhas músicas, que é a que eu  mais gosto. Pra essa eu devo mesmo providenciar um arquivo de áudio com algum capricho (basta que eu arrume computador com som e microfones!), mas isso fica pra depois. O videozinho que aqui veem foi gravado no útimo dia de 2009, com local sugerido pelo Caio (que também filmou) e horário providencial (6 e 15 da matina), pois em qualquer outro teríamos um mar de pessoas ou a ausência (total) de luz. Dessa vez o chiado valeu a pena, e mesmo o carinha que passa no final está perdoado. Peço-lhes a gentileza da audição, e lhes sugiro acompanhar a letra (que está na foto - como rascunho original, e mais organizadinha logo abaixo do video) também com a visão, pois eu também penso nela sendo vista (além de ouvida). Quando ouvirem uns "uapápá"s (inclusive há uma desafinada no segundo!), imaginem que essa melodia seria feita por instrumentos de sopro (metais), pois foi nisso que pensei quando a fiz. Há ainda um trecho da introdução e uns gracejos do final que eu esqueci de fazer nessa versão da praia, mas que farei no "arquivo sério". Ficou escuro, né? Pois é...

Como último detalhe, vale a ressalva de que o nome da música é sim uma homenagem ao nome desse blog. Não digo que ela tenha sido inspirada por ele, mas é provável que tenha colhido forças por aqui. Comentários de qualquer ordem serão muito apreciados. Agradecimentos antecipados à Sarah e ao Caio, que possibilitaram a gravação e a publicação dessa brincadeirinha sonora.




Tempo Seu


Se o nosso tempo fosse feito de-vagar
Sobrava tempo pro que falta preu sonhar
[Mas não quero
Mais] o tempo atrás
a me puxar de volta

E há tanto tempo que eu toco sem cantar
No meio tento pelos cantos te tocar
[Sei o tempo é
Seu] invento o meu
pra me puxar pra longe

Pra algum lugar sem tempo
de eu me sentir detento
Ou pra um lugar que dê tempo
pra mim

(parte dos "metais")

Saudade o tempo faz
O vento tanto faz




Versão 2, com um pouco mais de luz e som (e participações especiais de amigos):