segunda-feira, 28 de setembro de 2009

p&b

Basta que batam as botas:
brotam palmas.

Podre mas bento.
e palmos abaixo,
putrefato palácio.

Palavras prudentes
abraços impostos
dispostos parentes

bradam compostos:
"um bom rapaz..."

De paz precoce
e inesperada

Padece parado,
pequeno, partido,
embalado.
(pode o padre puni-lo?)

Balelas: e a benção.

Célebre epitáfio,
espetáculo hipnótico
de patética hipocrisia

Bravo!
Poucos aplausos
e um breve brilho fúnebre.

Pó.




__________________________

"A morte aumenta o caráter"
(se alguém souber a autoria, que diga.)

P.S.: poema escrito em exercício que autoriza apenas o uso de palavras que contenham "p" ou "b", mais artigos e preposições.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

é Briga



Foi bem em frente à Rede Globo. Bem ao lado da ponte nova, pomposa. Diria até que sob o alcance das câmeras de segurança da emissora. Após a freada, também esteve vigiada pelos meus olhos. A batida. Dois ônibus fretados, que acabavam de passar pela Berrini, e deixavam seus últimos passageiros nas respectivas empresas. O da frente brecou sem motivo explícito, e o de trás não teve tempo de parar: estampido. Quem bate atrás, dizem as leis de trânsito, SEMPRE está errado. Um sempre importante por ser objetivo (já que lidamos com versões normalmente opostas), mas inócuo e falho. No acidente de há pouco, o de trás não tinha o que fazer. E isso ele mesmo soube, mas assimilou com uma indignação por mim inesperada. O motorista, já de meia idade, saltou do ônibus e se dirigiu tresloucado ao motorista da frente, que saía com um semblante de "eu posso explicar". Não houve tempo. De súbito, uma tentativa de soco no rosto. Então, só porradas: desconexas, míopes, de raspão. Brigavam como quem erra de propósito. Como quem tem de brigar mas torce pra que a turma dos apaziguadores chegue logo e separe. Eu estava na calçada, meio atônito, meio nos tempos de briga no recreio, meio "que se matem", meio "e os passageiros?", meio "será que esperam que eu corra pra separar?". Mantive-me inerte, com uma leve reduzida de passo. Eu realmente não queria completar o ritual dos machões. Que ficassem lá até cansarem de errar um ao outro. Se fosse eu no ônibus da frente, sei lá, viu. O cara de trás já veio socando. Como eu me explicaria? Não teria jeito: seria correr ou sair no braço. Imagine um cara do meu tamanho (1,90m) correndo de um tiozinho barrigudo, bigodudo, clássico cobrador, mas motorista. Imagine um cara de minha pacatez (ficha limpa) trocando mãozadas com um quase-senhor. Foi nisso que fui pensando: em como eu também era um motorista da frente, sem voz, sem razão, sem rumo. E eu não era um motorista de trás, mas simplesmente por não saber brigar, porque nervosismo eu teria de sobra, sabendo que meu meio de trabalho estava avariado, que vários procedimentos burocráticos me aguardavam, e que haviam outras pessoas dependendo de meus serviços. Passei como mero espectador, sem o heroísmo dos "deixa-disso" nem a maldade dos que botam fogo ("orra...orra, vai deixar?"). Logo uns carros pararam, e motoristas engravatados "fizeram sua parte", mostrando que "não precisa disso", pedindo calma, e zelando pela paz mundial. Buzinas. Segurança comenta: "Que cacetada, hein?". Crachá. Catraca. Elevador. Tempo deles.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Corpo


Um instante,
e já és outro.
Olha, ouve, olfata...

Ou finge.
Finge que sente,
e mente, crente de saber
do teu poder de ser depois

Tente sobreviver à
minha morte,
eternizar meu mundo inerte,
fingindo beber a sorte
que nos fez dois

Tente, corpo estranho,
ser meu legado torto,
minha pena destacada,
meu aborto de mim mesmo

Verás que nunca tive alma,
que vivi pela metade,
pela maldade de assistir sua
liberdade
sem sequer anunciá-la



___________________________



Outra vez, tema e título obrigatórios.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Uma vontade de tocar violão



Sol maior.

Não tenho a destreza de um instrumentista profissional, nem a agradabilidade do timbre dos cantores de ofício, mas gosto tanto disso: sentar em qualquer lugar, fazer o ritual de afinação, e ensaiar a música favorita do dia. Com ou sem ouvintes, é bom. Com, o repertório é um grande desejo de satisfazer a expectativa do(s) outro(s). Sem, o que se passa é um repit interminável do que move meus ouvidos. Ontem mesmo, toquei "Last flower in the Hospital" umas oito vezes. (Quem mais suportaria?)

O violão é o instrumento mais indicado a pessoas como eu, já que é tão portátil e tão genérico. Leva-se pra onde for, e toca-se de tudo sem a necessidade de mais nada. Em casa ficam os adereços (cavaquinho, guitarra, bandolim), mas eles demandam coisa mais séria, de grupo. Pra legislar sobre minhas sensações, só o violão. Se estou triste, seu som faz da tristeza algo tão bonito que dá vontade de ter sempre. Se feliz, é como se ele levasse a mais gente uma dose de alegria.

E é até insólito o fato de eu me aproximar do violão ao mesmo tempo em que ele se distancia de meu ganha-pão. Já não vejo como muito plausível a possibilidade de viver DE música, mas cada vez mais vivo COM ela. Aos poucos vou fazendo as minhas próprias, e só a sensação que isso me causa já parece valer a pena. É decifrar um mundo antes intocável, apresentar-se a si mesmo, ser seu juiz. Se não convencer, é só voltar às dos outros, e tá bom!

Minha relação com a música parece mais madura, estabelecida. E por vezes juvenil, que é pra descompassar um pouco. Crescer é bom apenas porque as manias de jovens entram em evidência, ganham em importância. As reuniões violonísticas têm sido mais frequentes, e os espaços da usp têm me apresentado diversos malucos desejados, que param ao ver alguém com um violão, e logo se abrem, cantam junto, compartilham fraquezas e entusiasmos!

Acho sempre gostoso: cantar com os conhecidos e com os estranhos. Com estes normalmente não me encontro mais, e fica a promessa do "a gente marca de se encontrar". Fica a semi-amizade construída somente pela música que fizemos juntos, e a impressão de que muitos de nós poderíamos ter nos encontrado antes, com o auxílio de algum acaso de violão convidativo.

Cheguem mais perto, tragam suas folhas cifradas, suas memórias, seus anseios a serem cantados, que eu vou afinando por aqui.

(Apareçam!)



__________________________________________________________


Desenho de Camila de Sá (clique sobre ele para ampliar).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quase um pedido de perdão. Vão.

E não vou pagar. Alguns males são inafiançáveis. Virão dizer que minha atrocidade era inesperada, que minha credibilidade nunca fora questionada. Tão condicionados, tão ingênuos. E não cheiro a leviano mesmo. Sou um cara certinho, sem prestações nem favores a quitar. Ergui minha reputação, e agora a jogo ao chão. Não vou pagar. Por acharem a situação reversível, hão de me multar, de me intimar, de me espancar. Não, não pago. O que mais importa nesse momento é ser não-eu. Confabular, atirar giz no coleguinha, pular a catraca do metrô, inaugurar facções. Gravata froucha. Tragam terno branco e cartola, e se juntem a mim. Tracem planos hediondos, e me envolvam. Lesem o erário público, e depois me contem, que eu publico. Hoje a culpa é minha! Ajudem-me a redimensionar meus valores. Mostrem-me o quão tépida minha vida pode ser. O quão entregue a pessoas que sequer me notam, e tão relapsa aos que carecem de meu carinho. O quão é dependente de feriados nacionais. Não me paguem, e digam "não pago,e aí?". E aí nada. Os credores se equilibram. Na média, é chapéu por chapéu. Roubam-me umas horas, e eu roubo paciências. Não falo de dinheiro, mas de outras manias. Dinheiro não se paga desde antes. Eu não pagarei é todo o resto. Aceitem notas musicais, e eu as garanto falsas. Calculem em pentagramas, e me mandem a partitura. Se quiserem, mandem apenas as cifras. Quem sabe eu não consiga redimir os danos causados nesse dia torto, irrepetível. Hoje a culpa é minha, e aproveito pra ser mau de verdade. Não espero desculpas; curto a sordidez de minhas palavras antes de me arrepender por completo. Antes de botar o último ponto. Amanhã me procurem sabendo que voltei a ser o de sempre, mas hoje me evitem. Hoje a culpa é minha, e não o afirmo por ser mais digno, mas por ser mais covarde ainda. Que ficassem com a impressão alterada, e seria justo. Culpo-me pra limiar meu perdão. Escrevo às pessoas que pouco me sabem, e me calo diante dos que me alimentam.

Hoje, por causa de um livro amassado, uma bosta de um Ulisses eternamente por começar, fiz minha mãe chorar.


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Água




Rio de tua essência
antes que zombes de minha inútil solidez
Antes que leve, rio descendo,
as folhas envelhecidas,
envenenadas por si mesmas,
e foragidas de minha tez

Rio por ver-te mar,
por te perder de vista,
por não dimensionar sua vontade

Não temo sua liberdade,
mas seu poder, líquido lírico,
de ser o mais em mim

Se eu pudesse, chovia,
e riria, num raio que te anuncia,
ao ver sua força minha,
falha e frágil

Rio de ti, mesmo em poema.

O riso é o sol, raio que te evapora e te reforma
Rio se triste, se contente,
e concedo-lhe um lar
Te dou proteção
e não te faço lágrima
pois só és minha enquanto eu não chorar



______________________________________________________


P.S.: texto produzido como exercício: gênero (poema), tema e título impostos e, descontado o desconforto da "primeira vez" (poema), bem aceitos.