domingo, 28 de junho de 2009

O maior inimigo do homem



Eu, escrevendo sobre gatos? Logo eu, que nem pra cachorro tenho muita paciência, escrevendo sobre gatos? Advirto: se me presto a botar no papel esse tema animal, é apenas por legítima defesa. Saibam, amantes dos bichinhos fofinhos, que já são quatro os gatos lá de casa. Há o cachorro, quase morto, e quatro gatos, quase quase sendo mortos, num acaso. Suportei enquanto pude, mas já é tempo de encontrarmos uma solução humana para situação tão peluda.

Conhecem alguma droga, sonífera, para gatos? Receitem. O problema se dá à noite. Os felinos, vagabundos que são, dormem durante todo o dia (em minha cama, por sinal). São provocadores silenciosos. Quando peço-lhes licença, e deito, a fanfarra inicia seus barulhos descompassados (, à bandinha do Chaves). Resignados, descem da cama e começam a saltar feito sapos sem direção definida. Reitero: meus gatos não correm, saltitam. Ademais, devem ser parcialmente cegos. Enquanto brincam, se chocam amiúde com todas as portas do guarda-roupas. Tentem imaginar os sustos que esses estampidos (gato + madeira) me dão.

Não migram aos outros cômodos da casa. Permanecem, gatunos, em meu quarto. Como lá não há porta, é impossível deixá-los pra fora. Até tento dormir, mas eles insistem em puxar meu edredon; em desafiar a resistência da madeira; e em usar meu indefeso violão como elemento cenográfico de suas travessuras.

Os policiais ocupam minha universidade, e os gatos ocupam meu dormitório. Impostores! Aos policiais, gaiatos, eu devo oferecer outro texto. Pros gatos, foras-da-lei, ofereço esse mesmo. Exijo que saiam de meus poucos metros quadrados! Não há mais carinhos nem tentativas de negociação. Voltarei para casa acompanhado de dois cães famintos, ou pedirei socorro ao meu amigo caçador de gatos. Pois sim, um dos blogueiros indicados aí à esquerda de sua tela, é um exímio estrategista. Conhece métodos fulminantes de se abater um gato indesejado. É temido pelos vizinhos. É letal. Pedirei uma força. Pedirei que inclua minha causa nas pautas de nosso indignado momento.




Ei! Tenho coração. Tenho dó. E tenho sono. Tenho a prepotência de priorizar minha espécie, mas me compadeci quando o Bidu, outro gato, morreu*. Minha vó ficou tão triste, mas tão triste, que eu, ateu que sou, rezei pelo bichinho. Agora a velhinha não quer mais conversa com os gatos. Não quer se apegar novamente, diz. Sem outra opção, mais dedicada e/ou presente, eles vêm a mim. Vêm tolos, menores, e soltam aquele olhar de cachorro molhado (e cego).

Abro a torneira do banheiro pra que bebam água (pois preferem gelada); permito que as namoradas, ao fotografá-los, chamem-nos fofos, gatinhos. Intervenho quando julgo estarem brigando. Faço tudo que um bom dono faria. Pra não macular a honra dos resmungões, ameaço um ou outro pontapé, estímulo vôos de uma cama à outra, mas não mais. Marco território, só.

Falo, falo, mas sei que não promoveria churrascadas com suas carnes.

Peço que os camaradas policiais saiam do campus e voltem a patrulhar a casa de nossos nobres estudantes (onde dividirão a tarefa com grandes esquemas de segurança). Peço que a reitora, esta sim, saia sem ressalvas. Sem saia nem tridente.

E convido os gatos, melhores amigos do homem, a ficarem mais um pouco.



________________________________________________________



*(seu nome de batismo era "Zizu", mas minha vó, por não se dar bem com a pronúncia, logo desvirtuou para "Bidu", algo mais cachorro.)

P.S.: o texto foi escrito há uma semana, mas só digitado agora: a polícia já deixou o campus, e os gatos seguem por aqui.


P.S.2: eles aprendem.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Despedida (ou *)


Estou indo embora. De vez. Foi-se o tempo de ser covarde. Não sou daqui. Sou de "lá", do efêmero morar. De um lugar mais senil (mais pueril!), mais contador de histórias (mais ouvidor!), mais cheio de mentiras leves (mais vazio). Sei não, mas vai ver agora é que é o tempo de ser covarde. Fugir é meio que desistir, dizem eles, os vivos. Ora, ora...ora, ora: ir embora não precisa ser fugir. É deixar; é partir; é prometer voltar. Certo, não prometo, e isso nem é possível. Se é inexorável, não é fuga. Não há culpa.

Toda a minha saudade se concentrará no que vivi até ontem. Ali encontrarei minha primeira bola de futebol, meu primeiro cavaquinho, e meu primeiro amor ("que bonitinho"). E tudo que veio daí. Tudo que se juntou a essas experiências e, quase sem avisar, construiu meu relicário. Ah, é tanta intensidade, e tão pouca capacidade pra expressar...

Eu pretendia escrever sobre os gatos lá de casa, sobre a Lapa cantada por Caetano e pouco vivida por mim, ou até sobre meu status de bebedor oficial de yakult, mas há sempre as tais prioridades. Toda essa inesgotável rede de hierarquias que cerca nosso caminhar (e nosso escrever). Há o que vem antes. Que não pode esperar. Falo de um tema idoso, gestante, com criança no colo. Amanhã entrarei noutro plano da normalidade. Será também rotina, mas longe daqui...

Será como espiar o fim de um tempo. Mais meu do que seu; mais descompromissado com o resto do mundo; mais sempre-tudo-novo. O fim que não é apenas o fim. Faz-se real, mesmo imerso em minha existência caricata, ordinária, ficcional. Deixar pra trás aquilo que ignora, e que pede pra ser ignorado. Aqueles que podem rasgar fotos, rasgar bilhetes, doar presentes, mas não poderão deletar suas memórias. As lembranças, tão involuntárias. Indeletáveis, à prova de rasgos. Eu... devo ser outro alguém.

Já não há o que fazer por aqui. Trajo terno e gravata, e sem o elemento garboso de se vestir pra uma festa de formatura ou pra um casamento de prima. É este, o traje, meu principal símbolo, anúncio de final, de que cheguei onde não queria chegar.

Que estranha vontade de sair dizendo: "esse é o lugar ideal para perder alguém ou para perder-se de si próprio". E de emendar, semi-cantando: "For a minute there / I Lost myself, I lost myseeeeeelf!" Descabelar um "não faz sentido? A primeira não é a representação fílmica da segunda, que é música?" Claro que é! Veem? Que vontade perversa de estar num elevador com um estranho, sentindo um odor desagradável, e ter a babacada de falar, meio Selton Melo: "Tá sentindo esse cheiro (,)estranho? Não vem de mim, mas do ralo do segundo andar...". Se der tempo, perguntar ainda: "You lost yourself? Hein?"

Não importa o que entenderíamos um do outro. Minhas referências e idéias fixas são tão singulares quanto as de vocês. São estranhas, mas só até. Hoje posso, por um direito que recorre às convenções comemorativas, prescindir dos sentidos de minhas atitudes ou palavras. Hoje, se não posso, quero. Por querer abandonar tudo, tudo me fez tão bem. Hoje as grandes resoluções vieram acompanhadas de pequenas tréguas.

É inevitável: adiarei minha partida. Até amanhã cedo, fingirei que esse dia não chegou. Roubarei vinte e quatro horas da vida de meu novo algarismo (clonado a partir do antigo). Prolongarei ao máximo meus irrecuperáveis vinte e um anos. E esperarei mais três, até cantar, noutro tom: "tenho vinte e cinco anos... de sonho, de sangue, e de América do Sul!" (por afeição à música; não por uma espécie de "nacionalismo continental"). Terminarei um "ciclo" tentando remontá-lo num silêncio de madrugada. Vigiarei esse texto de parágrafos curtos, que bailaram num ônibus urbano, e quase não saíram. Digitação encerrada: um boa noite a vocês, que aqui resta uma vontade de não dormir.



______________________________________________


* Nesta data querida - versão 2009

P.S.: agradeço às pessoas que fizeram deste um de meus melhores aniversários. Aos presentes inesperados, às mensagens, ligações, recados, às lembranças introvertidas que estiveram em tantas cabecinhas por aí.

Quanto às referências, vale a pena compartilhar com quem ainda não as trombou por aí. Citarei as explícitas, que já chegam:

"lá" - música de Ceumar - música de Marisa Monte ("Vilarejo")
"eles, os vivos" - "Vocês, Os vivos" - Filme
"lugar ideal para se perder alguém ou para perder-se de si próprio" - "Terra Estrangeira", de Walter Salles e Daniela Thomas - filme! A foto do post também é do filme.
"O fim não é apenas o fim" - tosca citação do texto anterior.
o "I Lost myself" - "Karma Police", quinta música de "OK, Computer", quiçá o melhor disco de que tenho conhecimento. Banda? Radiohead;
Cena do elevador - "o Cheiro do Ralo" - livro do Lourenço Mutarelli; filme do Heitor Dahlia.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Olha a gente ali na telona!


Eu não poderia deixar a poeira baixar. Não nesta noite. Quantas vezes ficamos extasiados com alguma coisa e perdemos a chance de registrar tal encanto? Muitas, mas hoje não. Hoje minhas horas de sono valem menos. Iludo-as num convite a dias sonâmbulos. Se eu não escrevesse agora, morreriam os exageros de uma mente neurastênica. Portanto, aguentem. Vocês se contentam em suportar meu ímpeto, e eu satisfaço minha vontade de "contar pra mais alguém".

Saí há pouco de uma sessão de cinema, e ela ainda não saiu de mim. Ela merece qualquer clichê ou paixonite, dessas bobinhas. Ela não, ele: o filme. Vi "Apenas o Fim", que é de um moleque chamado Matheus Souza, se não me engano. E moleque mesmo: tem a minha idade, e vários centímetros a menos. É um prodígiozinho formado em cinema pela PUC-Rio. Desde o trailer, coisas boas se anunciavam. Ouvir "Pois é"* assim, em cheio, só poderia ser incrível. Num filme em que as referências de alguém que cresceu nos anos noventa saltam, então...

Foi uma das melhores experiências desse ano. Depois de me esbaldar com "Sinédoque, Nova York", e com "Palavra (en)cantada", me deparo com algo tão marcante quanto, e tão mais próximo de minha vidazinha pacata. Se se pensar que a trama se concentra na última hora que um casal tem pra passar junto antes que a mocinha suma pelo mundo, não há de se eperar muito. Que nada! O filme é isso, e é mais. É uma sucessão de diálogos fantásticos, plenamente interpretados, que fazem com que você transporte aquelas falas para a sua pouca história. Você, como eu, que tem entre dezesseis e trinta anos, deve reservar um horário (ou mais) pra espiar essa película precoce. Pra outras faixas etárias pode não soar tão "identitário", mas, ainda assim, há o que se aproveitar.

De uma relação amorosa nascida no colégio e que resistiu à universidade, o cara extrai apontamentos à beça. Sei lá: o que você faria nos últimos minutos que pudesse passar com a mulher que um dia foi a da sua vida? (mas só sexo?) E, porra, você sabe que ela não vai morrer, e que apenas quer ir embora pra algum lugar desconhecido por você. É, camarada, fugir. Não dá tempo pra entender as razões dela: há uma vida pra isso. Tem de se protagonizar mais alguns belos momentos. Olhar bem pra ela. Guardar seu cheiro nos pulmões. E esperar como quem aprecia os segundos. Há tanto disso no filme.

Esperam que eu fale de fotografia, de luzes, de trilha? Não falo tanto. Sou aficcionado por diálogos e, quando eles jorram com tamanha agudeza, me distraio do resto. Certo, a trilha também se afeiçoou aos meus ouvidos (não só por ter "Pois é" na cena final, viu!). Isso não se nega. Não se nega quando se a está procurando pela net. A fotografia veio de bandeja com a beleza que é o campus da Puc no Rio. Luz? Do dia, já que a galera filmou com câmera emprestada, que era devolvida, sem choro, às 17:00hs. Como o filme se passa no espaço de uma hora, tudo bem.

Não sou crítico de cinema, nem de bosta nenhuma. Tenho até certa dificuldade pra transmitir minhas sensações a ponto de convencer alguém a querer senti-las. Quando falo de algo, não sou convincente, e por vezes é melhor nem falar. No caso de hoje, pouco importa. Escrevo apenas para não ignorar esse impulso. Pra não trair a conversa que tive há pouco no metrô, com João e Raquel: "dá vontade de chegar em casa e escrever...", concordamos. Ainda brinquei, dizendo ser perigoso até ligar o computador. A tentação seria muita, como estava sendo até que eu a libertasse: deixo que goze por mim. Amanhã é o depois: o dia seguinte à transa. É o ir embora como se nada tão importante tivesse acontecido. É olhar pro texto e não sentir mais tanto tesão. Pensar: "foi tudo isso mesmo?".

Agora, abraçando meus sentidos como quem acabara de amá-los, solto sorrisos bobos, juro eternidade.

Paletó esvoaçante, "Magic Pie"** a todo volume, cabeça longe, longe...pessoas encenando minha hora e vez: tal foi o caminho da estação até aqui.

Hoje não devo mais nada a mim mesmo***.



www.apenasofimfilme.com.br

___________________________________________________


* Los Hermanos (ainda!)
** Oasis (no filme tem uma cena em que o cara fala da fase em que pega bem gostar de rock inglês!)

***Nem devo nada à amiga que, ao dizer que não poderia ir conosco à pré-estréia, desejou (pediu!) que tivéssemos uma noite memorável!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Calma: ainda não terminei a página!



Não é preciso comprar jornais, livros ou revistas pra ler nos meios de transportes. Nem mesmo compilações de palavras cruzadas. Basta treinar a visão transversal, ter uma altura privilegiada, e estar preparado pra o que vier do (mal) gosto alheio. Nisso tudo, sou doutor. Vanglorio-me de não aceitar nem os folhetins gratuitos: escolho a fragmentação do saber pelas mãos dos outros. A ter o trabalho de folhear uma revista, prefiro o desafio de correr contra as outras mentes e terminar a página antes que ela seja virada.

Você vive fazendo isso também, não? Digo, bisbilhota o meio de comunicação dos outros passageiros do metrô, do ônibus, ou do trem? Claro que sim. Se não o faz, é porque se contenta com a TVO, a TVtrem ou Aquela-tv-do metrô. Se esse for o motivo, você é um fraco! Aquilo sim é o funeral do par jornalismo/entretenimento. Além de horóscopo e propaganda da SimPlan (um troço de implantes dentários que tem uma dublagem à novela-mexicana-que-passa-no-SBT), só restam as instruções que o metrô dá aos "usuários", que são julgados como retardados: "facilite o embarque e o desembarque: mantenha-se no corredor" (porque, obviamente, os corredores estão sempre vazios e nós, idiotas, preferimos ser enlatados pela "rapaziada do Brás" ali na região das portas); "chegou o Bilhete Amigão! Agora, nos finais de semana, você viaja por oito horas com uma única passagem" (que se foda o final de semana! Essa droga tem de funcionar é agora!). Não dá.

O que sobram? Axilas e letras. Se bem que há sempre um espertinho que leva um radinho (ou celular) sem fone e toca um som pra galera. Sempre há. E acham que trouxeram diversão ao busão. Quase dançam ao ritmo de um pancadão ou de uma música do Belo (ele mesmo...)Torço pra que lancem uma campanha de apoio aos sem-fone. Eu contribuo com o que puder: pares velhos, de 1,99, ou armas de fogo. TVO mais DJ's do bom dia: desespero. Chega a ser pior que trabalhar.

Ao grande tema: a chance de furtar as notícias dos próximos. Pra começar, é sempre bom quando alguma boa e máscula alma traz um caderno de esportes. Se for um Lance!, então, você pode ter a certeza de que irá ter tempo de sugar algo. Pelo tempo que o cara fica no espaço destinado a cada grande clube paulista, dá pra descobrir pra quem ele torce. São paulinos leem mais, e costumam ser até chatos, já que você termina a página antes mesmo do que eles, donos (vira a página, camarada!). Corintianos se preocupam em comentar com o truta ao lado: "esse jornaísta tá tirano o Ronaldo de gordinho, é? Vacilão!". Palmeirenses e santistas só compram os periódicos quando a fase é muito boa. Agora, que não me venham com a página de esportes do Metrô News.

Há dias piores. Nestes, só se veem livros do Augusto Cury, do Dan Brown, do Paulo Coelho, ou da Zíbia Gasparetto. Como se não bastasse, chovem revistas "minha novela", "caras", "capricho". Pra não passar batido, leio também. Bom, tenho irmã, converso com as pessoas na copa do trabalho, nas filas de banco (mentira, pois nem costumo ir ao banco), na fila do pão (muito menos!). Ah, e como há livros de Direito! Como! Códigos não-sei-das-quantas pra todo lado! Esses, como exceção, não leio, já que nem os próprios donos costumam abrir.

Mas...leitor barato é leitor barato: completa cruzadinhas na imaginação; garimpa alguma notícia sobre o último avião frustrado; descobre onde será o lançamento da próxima capa da playboy; planeja suas atitudes de acordo com o que o horóscopo da namorada prevê; conhece uma página de cada best-seler. Acima de tudo, tem uma classe a representar. Não pode dar mole aos egoístas que leem um livro com ele quase fechado só pra não vermos! Um leitor moleque não se conforma; se contorce. Fala sobre qualquer assunto numa mesa de bar, mas não se sustenta por mais de cinco minutos em cada um deles. É, num eufemismo, eclético. Panorâmico.

Não sou apenas um parasita. Levo mnhas leituras e alimento esse mundo clandestino dos grandes picaretas do transporte público. Brinco com eles. Noto um rabo-de-olho, e paro alguns minutos numa mesma página. Viro e, nesta, permaneço nem dez segundos! Perco eu, mas perde ele. Mais ele do que eu: tenho o livro, e regresso à página quando quiser. Na próxima estação, talvez. Por uma questão de valores, não compro o Lance!. Por outra maior e mais vexatória, não faço cruzadinhas em público. É horrível não lembrar de uma palavra e pensar que um careca qualquer está zombando de você em pensamentos ("ah, animal com quatro letras e que começa com P? Porco!"). Porco é você, careca! Sei que quer rir!

Ria, porque eu desço na próxima. E é pato. Não porco, que tem cinco letras.




___________________________________________________________

P.S.: Isso vale pra uma pequena parcela de meus dias. Nos que restam, sou uma ilha, como você. Percebo apenas o que há de gado em cada passageiro.