quarta-feira, 29 de abril de 2009

Registro (suplente) de uma noite



Adentrei noutro mundo: Caetano estava ali. Memo. A dois palmos. Ao alcance de um tapão. Onde deveria morar o inimigo. E era o cara, desblindado, mais Carlinhos Nader, mais Antonio Cícero. Vá lá: compositor; cineasta; e poeta: todos bobos, rindo juntos, dando palmas. Na ordem em que você quiser. Deles, Do Dito Depois: Da Desordem danada! Filmes bons.

Meio documentários
/ Meio ficcionários

?
("Por que ele está escrevendo desse jeito?"*)

Mas tá: os vídeos valeram, só que eu fui até lá pra ver Caitâno. Sabe essas palestras que ambicionam "discutir" o filme? Ia rolar. Os três estavam intimados a falar. Eu, a ouvir. Agora, com aquela muganga toda; aquele jeito tranquilo e gostoso de ser baiano, nosso tropicalista não tem tanto tato pra falar. Tagarela fraco. Descumpre seu tempo, não conclui, repete introduções. Quem não o conhece, abdica. Quem já ouviu falar, teima e fica. Quem já o idolatra, torce ripa**: "vamos, meu rei, desembush!, desenrole, clareie o dizer".

Eu? Nem nada não. Gosto o bastante pra ir, mas não o suficiente pra torcer por ele. Se mandarem chamar, eu vou. Sou desses, tenazes pressas coisas: qualquer dia se encontra um mote. Entende, o buscar pretextos? Meio que caçá-los em selvas mais abundantes. Sim, sim: volto. Cae ta n o ia no seu ritmo, parcelado. Eu? encantado desde o caminho. Falasse o que fosse. Xingasse minha mãe. Desimporta: eu queria era o esoterismo de sua presença. Cheirar o mesmo ar. Encenar no inconsciente de um bom criador. Mas não só. Paradoxal que sou, meto o pau nessa putaria de ficar o tempo todo com a câmera na mão, mas, vez ou outra, até gostaria de uma foto ao lado dessa gente que nos nutre de impulsos. Vai ver, fui pra isso, ó.

Cheguei.

Na foto. Ou no autógrafo, que também registra. Ele ali, na cinemateca erma de uma quarta-feira. Mal divulgado. Acessível, então. Duas dezenas de pessoas, talvez. Quem quis, quase trocou msn. De riso fácil, o coroa. Humano, na média, e mais que eu. Fotografável, que é o tema. Assaltei os bolsos e lembrei que meu celular não manda dessas. Nem câmera digital eu tinha ali. Circundavam o lugar uns fotógrafos de jornal, outros de Jardins. Praqueles, era pedir na camaradagem: até comprar. Nestes, bastava chegar e puxar assunto: "a fotografia ousada de Carlos Nader; o cosmopolitismo de Caetano; a __________ de Antonio Cícero; e a modernidade, o Obama, a banana, melância, moranguinho..."

Melhor não, achei. Uma foto não valeria essa sucessão de constrangimentos. Certo, mas e o autógrafo? Ah, bandido! Esse era só pedir: uma vergonha só. Depois, sair contando: "o caetano? amigo meu...". Eu, meio intelectual, meio de esquerda, até estava lendo um "Folha Explica Caetano Veloso" (se eu fosse intelectual por inteiro, entenderia sozinho: sim, também foi o que pensei agora. Ora, e se eu fosse de esquerda por inteiro? aí, o sinistro! o sem-destreza!), e era só aproveitar e pedir a assinatura ali mesmo, na página de rosto. Folha explica, e caetano atesta.

Sem suspense, soa assim: saí só, sem sombra sequer. Nem foto, nem letras. Nem o tapa que eu tive a chance de dar. Ele voou da Bahia exlusivamente praquilo. Pro tapa não; pra palestra. Pouco pôde palavrear. Perdeu pontos com a paulistanada, perdeu a oportunidade de autografar meu livro, e de figurar no meu álbum do orkut. Com uma legendazinha e tudo: aspas, abraço e sorriso falsos, produção de desprezo, inveja e quais-quais-quais. Nem somos amigos, mas eu saio na vantagem. Contento-me com o que dele ouço e leio; com o que vejo mal-falarem; com minha preguiça (de) e incapacidade pra debater sua obra, e a solicitude pra recebê-la.

Mãe de Carlos Nader (autor dos filmes exibidos e tema da mesa), na última das intervenções da platéia:

-Filho, por que você não faz uma comédia romântica?!

Gargalhadas e aplausos inacadêmicos!


Tanto - tempo - titubeio - torno - tudo - tão - tolo... quanto artigos e preposições.
(P.S. dentro do texto)



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* Porque tem uns caras que fazem isso e me agradam. Eu copio, até firmar.


** Baita tesão por colocar "Quem já o idolatra, siririca!"; pra ceder à insinuação silábica, e gozar de (em!) minha rima e simetria pedantes. Se o lance é registrar, que fique também a heresia incompleta, quase só pensada.

No normal, a orientação: trata-se de um texto motivado por rabiscos que fiz nesse dia e situação descritos. Rabiscos, se mantidos, podem mesmo ser ininteligíveis. Local: Cinemateca Brasileira (antes de voltar a esse blog, passe lá). Vídeos: uns curtas bem bacanas do Carlos Nader. Depois: mesa de debates com Carlos, Caetano e Antonio Cicero. Avaliação: satisfatório. Quando: mês passado.


Ok, o tempo acabou. Ronaldo em campo: por duas horas, sou corintiano.

domingo, 12 de abril de 2009

E acho que é tão normal

"Se o seu corpo ficasse marcado
por lábios ou mãos carinhosas,
eu saberia
(ora, vá mulher!)
a quantos você pertencia"

("Mora na Filosofia" , de Monsueto / Arnaldo Passos - ouço pelo Caetano)
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O rompimento. Com toda a força que o termo traz. É como se realmente não houvesse mais vínculo. O que passou, passou. Tolice. Fica. Ressignifica, e fica. Vira nostalgia, ou ódio. Mas não desaparece. Rola tentar fingir, mas apenas pra produzir fracassos. O erro do tentativa e erro. Vestimos uma capa que isola o passado do presente. Como se o futuro tivesse medo dele (do passado!), concorresse. Ou limitamos o que foi vivido a um simples aprendizado. Assim é fácil, pois aprender é o que sempre fizemos. Encarar os rompantes de felicidade derivada de instantes remotos deveria ser mais natural. Ao invés de conversar variedades, que é o mais aceitável, poderíamos partilhar alegrias. Falamos da previsão do tempo que cada um faz (se vai chover, se esfriou, se a donzela vai parir), mas dissimulamos o tempo que nos interessa, que nos preenche os pensamentos. Poupamos as pessoas que nos fazem felizes das lembranças daquelas que nos fizeram. Elas não podem conviver. É mais difícil competir com o abstrato. Pra quê? Hein? Prefiro o risco. Caio no engodo. Não reviro, revivo. Pra juntar emoções e fazer com que elas se completem. Se nada é eterno, então pra quê fugir do que nos faz bem? Dane-se o que é habitual. Por amar não se arrepende. Nem se arremeda. Enquanto nossos pensamentos não forem transparentes, é provável que continuem acreditando em nossa segurança (a babaca segurança!). Nas voltas por cima. Na superação. Gostamos de ouvir comparações, mas só as favoráveis. As outras ficam indefinidas em algum lugar dos coraçõezinhos feridos. Sabe aquela história de produzir provas contra si mesmo? É o que posso estar fazendo, e que aconselho a quem quiser dormir.

Exibam suas cicatrizes. Se elas resistirem à exposição, ao fechar, ornarão sua pele. Feito tatuagem, mesmo.


(P.S.: por aqui: tô gostando de escrever sem dar chance pra desistir de publicar. É estranho criticar as peças que você mesmo protagoniza, em público. Como dissera C. Nader: "é estranho, eu existo entranho".)
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"Tive sim,
outro grande amor antes do teu,
tive sim
o que ela sonhava eram os meus sonhos,
e assim,
íamos vivendo em paz.

Nosso lar,
em nosso lar sempre houve alegria,
eu vivia,
tão contente,
como contente ao seu lado,
estou..."

("Tive Sim", de cartola)

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Aos tempos que se alternam em minha vida (O passado, o presente, e o futuro).

À D. e à S.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Vômito (de um amigo de um amigo meu)



Seguem seus sintomáticos dizeres:


"E as coisas começam a se revirar. O mundo, a sair do avesso. Ou a entrar nele, no redemoinho. Pessoas pedem demissão antes de serem demitidas. Adiantam-se. Deixam tudo sem ter nada. Arriscam (?). Nem tanto, porque, embora estejam sob uma pressão incansável, preferem o alívio finito de um desabafo. Agem de baixo do viaduto, mas enlevados, extasiados. Agir, de verdade. Sujo, mas íntegro mesmo enquanto despedaça. Usar as gravatas pra distrair um cão. Ou pra prender uma à outra e pular cordas. Induzir os sãos a enlouquecerem. Puxar os pés. Pra junto daqueles que compõem o chão. Nivelar o asco; socializá-lo. Pra que todos mergulhem em sua mesquinhez existencial e desistam de ser algo melhorzinho, e enfim tenhamos o célebre espetáculo da barbárie descortinada. O caos interior, globalizado: mundialmente interligado. Nós, comendo nós. E a trapaça vai virar lei. A cortesia será hedionda. Carnaval se extinguirá e levará consigo as máscaras todas. Desses seres que se fingem de humanos pra me confundir. No atual, a norma: suspeitar. Pé atrás; ouvidos dilacerados; olhar sem piscar. Nem os casais servem mais. Propagam ilusões. Adiam. Não têm vontade de ser eternos. Contentam-se com a felicidade efêmera, de sábado à noite. Filhos, uma crueldade. É botar outro pra correr desse vulcão em erupção parcelada. Endividar a consciência. Reviver. Pra arrepender. E comprar mais um lote de culpa. O mundo está ao contrário, e eu reparei. Vigiei essa mudança. Daqui, contaminado por ruídos e poeira, mas parado. Estático no pensar. Autômato por exigência. Do camarote de minha desistência, vi tudo. Pago o preço. Nada me surpreende. Perdi o discernimento. Há muita arte (droga), muita sacanagem, muita gente. Quando se perde o filtro, isso tudo se embola. Daí pra frente, chamam-me louco. E, só então, me notam: sou alguém. "


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Maluco de pedra. Enviou-me esta a carta e não deu mais sinais de vida. Dizem tê-lo visto por aí, disfarçado, num estilo segunda-à-sexta, safado fino.

Se o virem, não hesitem: prendam-no. Louco bom é louco dopado. Só peçam aos psiquiatras um pouco de cautela. Peçam pra não o chocarem ainda mais.


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"Suppondo o espirito humano uma vasta concha, o meu fim (...) é ver se posso extrahir a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora d’ahi insânia, insânia e só insânia".

("O alienista" . Machado de Assis, 1951, p. 31)




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motivado pelas idéias de J.P. e seu lúcido "Só para loucos". http://omomentodecisivo.blogspot.com/?ext-ref=comm-sub-email