quarta-feira, 3 de junho de 2009

Calma: ainda não terminei a página!



Não é preciso comprar jornais, livros ou revistas pra ler nos meios de transportes. Nem mesmo compilações de palavras cruzadas. Basta treinar a visão transversal, ter uma altura privilegiada, e estar preparado pra o que vier do (mal) gosto alheio. Nisso tudo, sou doutor. Vanglorio-me de não aceitar nem os folhetins gratuitos: escolho a fragmentação do saber pelas mãos dos outros. A ter o trabalho de folhear uma revista, prefiro o desafio de correr contra as outras mentes e terminar a página antes que ela seja virada.

Você vive fazendo isso também, não? Digo, bisbilhota o meio de comunicação dos outros passageiros do metrô, do ônibus, ou do trem? Claro que sim. Se não o faz, é porque se contenta com a TVO, a TVtrem ou Aquela-tv-do metrô. Se esse for o motivo, você é um fraco! Aquilo sim é o funeral do par jornalismo/entretenimento. Além de horóscopo e propaganda da SimPlan (um troço de implantes dentários que tem uma dublagem à novela-mexicana-que-passa-no-SBT), só restam as instruções que o metrô dá aos "usuários", que são julgados como retardados: "facilite o embarque e o desembarque: mantenha-se no corredor" (porque, obviamente, os corredores estão sempre vazios e nós, idiotas, preferimos ser enlatados pela "rapaziada do Brás" ali na região das portas); "chegou o Bilhete Amigão! Agora, nos finais de semana, você viaja por oito horas com uma única passagem" (que se foda o final de semana! Essa droga tem de funcionar é agora!). Não dá.

O que sobram? Axilas e letras. Se bem que há sempre um espertinho que leva um radinho (ou celular) sem fone e toca um som pra galera. Sempre há. E acham que trouxeram diversão ao busão. Quase dançam ao ritmo de um pancadão ou de uma música do Belo (ele mesmo...)Torço pra que lancem uma campanha de apoio aos sem-fone. Eu contribuo com o que puder: pares velhos, de 1,99, ou armas de fogo. TVO mais DJ's do bom dia: desespero. Chega a ser pior que trabalhar.

Ao grande tema: a chance de furtar as notícias dos próximos. Pra começar, é sempre bom quando alguma boa e máscula alma traz um caderno de esportes. Se for um Lance!, então, você pode ter a certeza de que irá ter tempo de sugar algo. Pelo tempo que o cara fica no espaço destinado a cada grande clube paulista, dá pra descobrir pra quem ele torce. São paulinos leem mais, e costumam ser até chatos, já que você termina a página antes mesmo do que eles, donos (vira a página, camarada!). Corintianos se preocupam em comentar com o truta ao lado: "esse jornaísta tá tirano o Ronaldo de gordinho, é? Vacilão!". Palmeirenses e santistas só compram os periódicos quando a fase é muito boa. Agora, que não me venham com a página de esportes do Metrô News.

Há dias piores. Nestes, só se veem livros do Augusto Cury, do Dan Brown, do Paulo Coelho, ou da Zíbia Gasparetto. Como se não bastasse, chovem revistas "minha novela", "caras", "capricho". Pra não passar batido, leio também. Bom, tenho irmã, converso com as pessoas na copa do trabalho, nas filas de banco (mentira, pois nem costumo ir ao banco), na fila do pão (muito menos!). Ah, e como há livros de Direito! Como! Códigos não-sei-das-quantas pra todo lado! Esses, como exceção, não leio, já que nem os próprios donos costumam abrir.

Mas...leitor barato é leitor barato: completa cruzadinhas na imaginação; garimpa alguma notícia sobre o último avião frustrado; descobre onde será o lançamento da próxima capa da playboy; planeja suas atitudes de acordo com o que o horóscopo da namorada prevê; conhece uma página de cada best-seler. Acima de tudo, tem uma classe a representar. Não pode dar mole aos egoístas que leem um livro com ele quase fechado só pra não vermos! Um leitor moleque não se conforma; se contorce. Fala sobre qualquer assunto numa mesa de bar, mas não se sustenta por mais de cinco minutos em cada um deles. É, num eufemismo, eclético. Panorâmico.

Não sou apenas um parasita. Levo mnhas leituras e alimento esse mundo clandestino dos grandes picaretas do transporte público. Brinco com eles. Noto um rabo-de-olho, e paro alguns minutos numa mesma página. Viro e, nesta, permaneço nem dez segundos! Perco eu, mas perde ele. Mais ele do que eu: tenho o livro, e regresso à página quando quiser. Na próxima estação, talvez. Por uma questão de valores, não compro o Lance!. Por outra maior e mais vexatória, não faço cruzadinhas em público. É horrível não lembrar de uma palavra e pensar que um careca qualquer está zombando de você em pensamentos ("ah, animal com quatro letras e que começa com P? Porco!"). Porco é você, careca! Sei que quer rir!

Ria, porque eu desço na próxima. E é pato. Não porco, que tem cinco letras.




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P.S.: Isso vale pra uma pequena parcela de meus dias. Nos que restam, sou uma ilha, como você. Percebo apenas o que há de gado em cada passageiro.

4 comentários:

Michelli disse...

Ah...são tantos os "causos" que apareceram em minhas viagens matinais pelo transporte público paulistano...=)
Seu texto me fez lembra de muitos!
Se o metrô e o trem não fossem tão sufocantes pela manhã, até diria que me bateu saudades dos olhares transversais, diagonais...
Beijos!
Mi

Marcos disse...

Ah, sempre dou uma lida, mas nunca comento, rs..
Putz, lembro da epoca q metrô fazia parte do meu cotidiano, até sinto falta às vezes, daqueles momentos q nao resta nd senao filosofar e pensar na vida, no trajeto casa-facu e vice-versa..
Abraço, Marcos (Zizu)..

Unknown disse...

Belo texto, Noubar!

Após tantas viagens, é incrível como o transporte público se torna uma extensão da nossa casa, não? Perdi as contas de quantos "almoços" já fiz ou quantos sonos já dormi num vagão, ou num ônibus. Ou quantas páginas virei na boa comapanhia de meus escritores favoritos, mas só no trem. Metrô e ônibus costumam me dar muito sono. E só se a leitura for mais que boa. Aliás, se ela disputar a atenção com os vendedores ambulantes, com os repentistas, com o cego, com o doente terminal, ou com a conversa da mulher tagarela e conservadora sentada ao lado, e sair vitoriosa, aí que ela é boa mesmo!
De resto encontramos leitura fugidia, barata, farta. É quase como aquele amendoim que eles vendem no trem: não sacia sua fome, mas engana o estômago até chegar em casa.

Beijo,
Giu

Noubar Sarkissian Junior disse...

Hehe! Mi, não consigo imaginar o que é sentir saudades do metrô, mas juro que acho possível! Ah, talvez eu até consiga,vai. Basta esquecer os tantos dias em que ele contribui pros meus atrasos e trajes amassados!

Marcão, que legal notá-lo por aqui. Dê uma lida mesmo! Lembro quando vc leu meu blog quando eu nem sabia ainda porque o tinha feito. era uma droga, de verdade, mas bem sincera! (rs)

Giu, bem-vinda! Agorinha mesmo a Sarah me ligou e disse "estar fazendo como a Giu": "almoçando" no ônibus! Ótimas essas disputas que nossa leitura trava com tudo o mais que habita o transporte público, tão bem escritas por vc!

Abraços e beijos!

Noubar