quarta-feira, 17 de junho de 2009

Despedida (ou *)


Estou indo embora. De vez. Foi-se o tempo de ser covarde. Não sou daqui. Sou de "lá", do efêmero morar. De um lugar mais senil (mais pueril!), mais contador de histórias (mais ouvidor!), mais cheio de mentiras leves (mais vazio). Sei não, mas vai ver agora é que é o tempo de ser covarde. Fugir é meio que desistir, dizem eles, os vivos. Ora, ora...ora, ora: ir embora não precisa ser fugir. É deixar; é partir; é prometer voltar. Certo, não prometo, e isso nem é possível. Se é inexorável, não é fuga. Não há culpa.

Toda a minha saudade se concentrará no que vivi até ontem. Ali encontrarei minha primeira bola de futebol, meu primeiro cavaquinho, e meu primeiro amor ("que bonitinho"). E tudo que veio daí. Tudo que se juntou a essas experiências e, quase sem avisar, construiu meu relicário. Ah, é tanta intensidade, e tão pouca capacidade pra expressar...

Eu pretendia escrever sobre os gatos lá de casa, sobre a Lapa cantada por Caetano e pouco vivida por mim, ou até sobre meu status de bebedor oficial de yakult, mas há sempre as tais prioridades. Toda essa inesgotável rede de hierarquias que cerca nosso caminhar (e nosso escrever). Há o que vem antes. Que não pode esperar. Falo de um tema idoso, gestante, com criança no colo. Amanhã entrarei noutro plano da normalidade. Será também rotina, mas longe daqui...

Será como espiar o fim de um tempo. Mais meu do que seu; mais descompromissado com o resto do mundo; mais sempre-tudo-novo. O fim que não é apenas o fim. Faz-se real, mesmo imerso em minha existência caricata, ordinária, ficcional. Deixar pra trás aquilo que ignora, e que pede pra ser ignorado. Aqueles que podem rasgar fotos, rasgar bilhetes, doar presentes, mas não poderão deletar suas memórias. As lembranças, tão involuntárias. Indeletáveis, à prova de rasgos. Eu... devo ser outro alguém.

Já não há o que fazer por aqui. Trajo terno e gravata, e sem o elemento garboso de se vestir pra uma festa de formatura ou pra um casamento de prima. É este, o traje, meu principal símbolo, anúncio de final, de que cheguei onde não queria chegar.

Que estranha vontade de sair dizendo: "esse é o lugar ideal para perder alguém ou para perder-se de si próprio". E de emendar, semi-cantando: "For a minute there / I Lost myself, I lost myseeeeeelf!" Descabelar um "não faz sentido? A primeira não é a representação fílmica da segunda, que é música?" Claro que é! Veem? Que vontade perversa de estar num elevador com um estranho, sentindo um odor desagradável, e ter a babacada de falar, meio Selton Melo: "Tá sentindo esse cheiro (,)estranho? Não vem de mim, mas do ralo do segundo andar...". Se der tempo, perguntar ainda: "You lost yourself? Hein?"

Não importa o que entenderíamos um do outro. Minhas referências e idéias fixas são tão singulares quanto as de vocês. São estranhas, mas só até. Hoje posso, por um direito que recorre às convenções comemorativas, prescindir dos sentidos de minhas atitudes ou palavras. Hoje, se não posso, quero. Por querer abandonar tudo, tudo me fez tão bem. Hoje as grandes resoluções vieram acompanhadas de pequenas tréguas.

É inevitável: adiarei minha partida. Até amanhã cedo, fingirei que esse dia não chegou. Roubarei vinte e quatro horas da vida de meu novo algarismo (clonado a partir do antigo). Prolongarei ao máximo meus irrecuperáveis vinte e um anos. E esperarei mais três, até cantar, noutro tom: "tenho vinte e cinco anos... de sonho, de sangue, e de América do Sul!" (por afeição à música; não por uma espécie de "nacionalismo continental"). Terminarei um "ciclo" tentando remontá-lo num silêncio de madrugada. Vigiarei esse texto de parágrafos curtos, que bailaram num ônibus urbano, e quase não saíram. Digitação encerrada: um boa noite a vocês, que aqui resta uma vontade de não dormir.



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* Nesta data querida - versão 2009

P.S.: agradeço às pessoas que fizeram deste um de meus melhores aniversários. Aos presentes inesperados, às mensagens, ligações, recados, às lembranças introvertidas que estiveram em tantas cabecinhas por aí.

Quanto às referências, vale a pena compartilhar com quem ainda não as trombou por aí. Citarei as explícitas, que já chegam:

"lá" - música de Ceumar - música de Marisa Monte ("Vilarejo")
"eles, os vivos" - "Vocês, Os vivos" - Filme
"lugar ideal para se perder alguém ou para perder-se de si próprio" - "Terra Estrangeira", de Walter Salles e Daniela Thomas - filme! A foto do post também é do filme.
"O fim não é apenas o fim" - tosca citação do texto anterior.
o "I Lost myself" - "Karma Police", quinta música de "OK, Computer", quiçá o melhor disco de que tenho conhecimento. Banda? Radiohead;
Cena do elevador - "o Cheiro do Ralo" - livro do Lourenço Mutarelli; filme do Heitor Dahlia.

6 comentários:

Michelli disse...

É por essas e outras que digo:

PARABÉNS, NUBITA!!!

A amiga desnaturada aqui, que não sabe o dia exato do aniversário, vem por meio deste singelo comentário desejar-lhe toda a felicidade do mundo!

Bom, vc não merece parabéns apenas no dia em que completa mais um ano de vida. Vc é uma pessoa que merece parabéns a cada texto "parido" e, com carinho, dividido com todos nós! A cada linha que expressa idéias e/ou sentimentos tão presentes na vida de cada um que as lê...

Parabéns pela pessoa que é...e saiba que neste momento, não são necessárias tristes despedidas. O Noubar de 21 anos continuará em vc, não apenas na memória, do que já passou, mas na sua essência...isso vc pode ter certeza, a gente carrega pro resto da vida, não importa o número de mudanças e tranformações pelas quais passamos ou passaremos durante nossa caminhada...a essencia nunca muda...e não adianta ir contra isso, é fato! rs...

Toda felicidade do mundo é o que desejo a um amigo tão especial!

Beijos!
Mi

Sarah disse...

Despedida?
Na! Boas vindas!
É tudo questão de ângulo, ou versão! A de 2009, da data querida, me faz perguntar por quem (a quer).
Certamente, não muito por vc. Talvez na proporção inversa do quanto vc é querido!
Então não vá embora, senão ficamos órfãos.
Aos 21, assumem-se os rebentos que o mundo te lega, é o que diz a lei dos homens. E deixá-los, é como deixar a rosa.
Aproveite as pequenas tréguas, que é delas (também) que são feitos os suspiros.
Quanto ao traje, também é versão.
E se o cheiro vem do ralo, então é só se desprender dele!

Bjs!

Sarahdenovo disse...

Já te contei que tenho crises de verborragia?

Esse seu texto de aniversário ficou assim... meio repartido. A transição pro papel (?) da coreografia errante das idéias bailarinas.

Antes de continuar, o alerta: não pense que o anúncio dos textos sobre a Lapa e os gatos (novidade!) te exime de escrevê-los!
Vamos lá, dono da pena, pene!

Continuando: o texto começa se desdizendo e daí vem essa parte: “Ora, ora...ora, ora: ir embora não precisa ser fugir. É deixar; é partir; é prometer voltar. Certo, não prometo, e isso nem é possível. Se é inexorável, não é fuga. Não há culpa”.
Que lindo isso!
Que sonoro!
Cheio de ritmo, cheio de poesia!
Claro, meu trecho predileto.

Que bom q tua saudade se concentra no ontem!
Se vc sentisse falta do amanhã, daí seria a desesperança!

O tema “idoso, gestante, com criança no colo” mereceu mesmo a passagem, o aceno cavalheiro e o assento reservado!
Brilhante!

Sabe o quê?
Mais que o recomeço e que as grandes resoluções, são as partes indeléveis que impedem que o fim seja apenas o fim. O fim é apenas um ponto.

“Já não há o que fazer por aqui.”
Ledo engano. É daqui, de onde vc está, que começa a fazeção!
Lá, há muito mais que fazer, mas vc tem que principiar aqui.

E tenha certeza de que estaremos vendo tudo da platéia, Sr. Cativante. E às vezes, pq não, “lá” do palco, com vc!

Bjs!

Felipe disse...

Parabéns caro amigo.
Abraços

Anônimo disse...

Parabens Noubar
tudo de bom cara

Parabens pelos niver passados desde as pre-histoiricas aulas de Iberica
hahahha

diri disse...

Que pena que não atinei que seu aniversário era no dia que era, de fato (trocando em miúdos, eu esqueci o dia exato ahaha). Mas conseguimos nos ver e comemorar!

O terno e a gravata parecem te sufocar, às vezes... e eu sei como é essa sensação, aquela que questiona sobre como você foi parar ali, o que está fazendo. Vida de adulto não é mole, cada vez mais longe das nossas idealizações de anos anteriores. Uma grande amiga me disse uma vez que só os peixes mortos nadam a favor da maré, e não me parece que você está fazendo isso, pelo contrário.

Você usou bem sua licença de aniversário! O último parágrafo fechou o texto deliciosamente.