quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Linha de Passe: o jogador de futebol



Como mote pra esse e pra outros possíveis textos, uso o filme de Walter Salles e Daniela Thomas, "Linha de Passe", magnífico, e que trata de um universo incomparavelmente mais amplo.
Ouvem-se aos montes comentários que colocam a vida de um jogador de futebol como "fácil": faz o que gosta, ganha fama, prestígio, e milhões. Para nós, torcedores, muitos deles poderiam ser substituídos pelo craque do nosso bairro ("Ah, até o Cadu joga mais que o Richarlison!"). O que determina qual o atalho para uma carreira dessas, curta mas suficiente? Quem decide quais meninos terão o privilégio de serem ovacionados por torcedores insanos?


A superfície da chamada indústria da bola é por demais traiçoeira. Incontáveis José's, Dudu's, Noubar's (é...talvez não), foram preteridos para que um Robinho brilhasse. O ritual da "peneira", promovido pelos grandes clubes do Brasil, representa o que é sem dúvida o mais concorrido vestibular do país. Ademais, sua forma de seleção não possui critérios objetivos nem previamente estabelecidos: vale a atenção e a boa vontade do "olheiro", como também um empresário que tenha bons contatos. Sua relação candidato/vaga é o retrato de uma sociedade cuja esperança é tenaz e quase cega. Pra esmagadora maioria dos garotos que se submetem a tais testes, o futebol é uma das unicas maneiras de ascender socialmente. Ou o emprego de operador de telemarketing; ou o crime; ou ser objeto de assistencia social; ou a bola.


Se conseguir utrapassar todos os obstáculos e alcançar a profissionalidade, o jogador tem agora uma nação a representar. É catalisador de emoções que variam a cada lance. Precisa honrar uma camisa pesada pela tradição que ele não construiu. Está na mira de torcedores que cada vez mais esperam produtividade ao invés de espetáculo. É alvo das cruéis "concentrações", que encarceram o aglomerado de jogadores sob o pretexto de contrtolar alimentação, sono e sexo: um atleta depende do seu corpo. Afinal, dizem os profissionais da bola, "carreira de jogador dura no máximo até os 40 anos...depois disso ele terá muito tempo pra curtir a vida." (Pô, ainda bem que brotam opções de lazer para a terceira idade a todo instante!) O estado psicológico, acima de tudo, tem de estar pronto para entender que um grande clube, principalmente no Brasil, traz muita responsabilidade consigo e não admite displicência, insubordinação, nem falta de determinação.


É óbvio que, a despeito disso tudo que eu citei, os jogadores ainda têm prazer em jogar futebol e, mais claro ainda, é o fato de eles não refletirem muito sobre a função social do futebol, até porque são bem pagos para treinar, concentrar, e jogar. Só. Uma pena é ver cada dia mais a boleirada se quebrando toda, reconstruindo joelhos, morrendo em campo. A robótica chegou aos campos e minha frustração de jogador amador diminui gradativamente, e vai sendo substituída pelo prazer da pelada descontraída do fim de semana.
P.S.:Qualquer idéia aqui apresentada sai de cena quando o meu São Paulo entra em campo: aí, sou mais um dos apaixonados.


3 comentários:

Dani disse...

aew!!! finalmente um texto refletindo o futebol!
senti um pouquinho de Flávio ai no meio!
Só faltou falar do preconceito das boleiras =/
hehe...brincadeira!
adorei o texto!

Anônimo disse...

Parabéns...
Pela bela análise do Futebol. Um universo que reflete muitas das contradições do nosso mundo sejam as individuais e as sociais...
Uma análise tão equilibrada que por um momento até esqueci que o texto vem de um fanático. Capaz de dizer absurdos como o Roger é melhor que o Rogério Ceni. (Desculpa mas não podia perder a oportunidade.rsrs)
Alex

Noubar Sarkissian Junior disse...

Ê, ALEX!
Você sabe que tem uma bela participação (decisiva) na história de "vestibular mais concorrido do país"...que saudades de nossas discussões onde vc sempre me contrariava...rs...e vice-versa!
E o Roger é melhor que o Rogério. Ah, e o Souza tem mais habilidade que o KAká!
Abraço