Como mote pra esse e pra outros possíveis textos, uso o filme de Walter Salles e Daniela Thomas, "Linha de Passe", magnífico, e que trata de um universo incomparavelmente mais amplo.
Ouvem-se aos montes comentários que colocam a vida de um jogador de futebol como "fácil": faz o que gosta, ganha fama, prestígio, e milhões. Para nós, torcedores, muitos deles poderiam ser substituídos pelo craque do nosso bairro ("Ah, até o Cadu joga mais que o Richarlison!"). O que determina qual o atalho para uma carreira dessas, curta mas suficiente? Quem decide quais meninos terão o privilégio de serem ovacionados por torcedores insanos?
A superfície da chamada indústria da bola é por demais traiçoeira. Incontáveis José's, Dudu's, Noubar's (é...talvez não), foram preteridos para que um Robinho brilhasse. O ritual da "peneira", promovido pelos grandes clubes do Brasil, representa o que é sem dúvida o mais concorrido vestibular do país. Ademais, sua forma de seleção não possui critérios objetivos nem previamente estabelecidos: vale a atenção e a boa vontade do "olheiro", como também um empresário que tenha bons contatos. Sua relação candidato/vaga é o retrato de uma sociedade cuja esperança é tenaz e quase cega. Pra esmagadora maioria dos garotos que se submetem a tais testes, o futebol é uma das unicas maneiras de ascender socialmente. Ou o emprego de operador de telemarketing; ou o crime; ou ser objeto de assistencia social; ou a bola.
Se conseguir utrapassar todos os obstáculos e alcançar a profissionalidade, o jogador tem agora uma nação a representar. É catalisador de emoções que variam a cada lance. Precisa honrar uma camisa pesada pela tradição que ele não construiu. Está na mira de torcedores que cada vez mais esperam produtividade ao invés de espetáculo. É alvo das cruéis "concentrações", que encarceram o aglomerado de jogadores sob o pretexto de contrtolar alimentação, sono e sexo: um atleta depende do seu corpo. Afinal, dizem os profissionais da bola, "carreira de jogador dura no máximo até os 40 anos...depois disso ele terá muito tempo pra curtir a vida." (Pô, ainda bem que brotam opções de lazer para a terceira idade a todo instante!) O estado psicológico, acima de tudo, tem de estar pronto para entender que um grande clube, principalmente no Brasil, traz muita responsabilidade consigo e não admite displicência, insubordinação, nem falta de determinação.
É óbvio que, a despeito disso tudo que eu citei, os jogadores ainda têm prazer em jogar futebol e, mais claro ainda, é o fato de eles não refletirem muito sobre a função social do futebol, até porque são bem pagos para treinar, concentrar, e jogar. Só. Uma pena é ver cada dia mais a boleirada se quebrando toda, reconstruindo joelhos, morrendo em campo. A robótica chegou aos campos e minha frustração de jogador amador diminui gradativamente, e vai sendo substituída pelo prazer da pelada descontraída do fim de semana.
P.S.:Qualquer idéia aqui apresentada sai de cena quando o meu São Paulo entra em campo: aí, sou mais um dos apaixonados.
3 comentários:
aew!!! finalmente um texto refletindo o futebol!
senti um pouquinho de Flávio ai no meio!
Só faltou falar do preconceito das boleiras =/
hehe...brincadeira!
adorei o texto!
Parabéns...
Pela bela análise do Futebol. Um universo que reflete muitas das contradições do nosso mundo sejam as individuais e as sociais...
Uma análise tão equilibrada que por um momento até esqueci que o texto vem de um fanático. Capaz de dizer absurdos como o Roger é melhor que o Rogério Ceni. (Desculpa mas não podia perder a oportunidade.rsrs)
Alex
Ê, ALEX!
Você sabe que tem uma bela participação (decisiva) na história de "vestibular mais concorrido do país"...que saudades de nossas discussões onde vc sempre me contrariava...rs...e vice-versa!
E o Roger é melhor que o Rogério. Ah, e o Souza tem mais habilidade que o KAká!
Abraço
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