terça-feira, 14 de outubro de 2008

Sobre o MENDIGO. Impressões de sofá.




O mendigo é aquele que não nos causa medo. Não se impõe, implora com o olhar. É o autêntico desistente. Mendigo de verdade não quer ter um trabalho, uma família pra cumprimentar ou qualquer outro laço social. Rejeita a hospitalidade dos albergues e não aceita esmola demais. Quer o suficiente, ou pouco menos que isso: o imprescindível. O ócio de uma reserva monetária lhe é humilhante: mendigo tem de mendigar. Só assim ele existe! É a representação da coragem sem rodeios! Do fracasso pelado. ereto. O que não tolera acabamento; que não se disfarça. Mendigo é o que dorme várias vezes ao dia pra ser acordado. Odeia o sol porque traz com a luz uma multidão de pessoas pra sua sala, mas o ama porque o sustenta. Mendigo a gente não imagina se transa. Desconfia-se que se masturba, e seus "mendiguinhos" (espermatozóides) são despejados na calçada pra serem pisoteados por homens brancos inconscientes. Pra ZL, mendigo é mindingo.

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Em sua pré-abordagem, profetiza o constrangimento que irá causar e é capaz de dublar o "não tenho nada..." que sua "vítima" (seu carrasco!) encenará. A negação da esmola mascarada pela mentira do "só tenho o bilhete único"(e mendigo não usa transporte público: se arrasta) é o alimento de que o mendigo necessita para seguir à margem do sistema (!). Sobreviver de seus restos. O descaramento por nós destinado a ele é legitimador de sua "opção" pelo "ficar de fora". Nada pode lhe estimular a lutar pela ascensão social. Se obtivesse um sucesso raro, conseguiria um emprego de distribuidor de folhetos que trazem a figura ímpar de um astro da música nacional: "para vereador, vote Netinho ! do Negritude, mano!". Algo ali no centro mesmo, em casa. Ao invés de esmolar, saudaria os transeuntes com um "bom dia!" e ofertaria o folheto. Muitas pessoas abusariam de sua inteligència ao pegar o papel e jogar no próximo cesto de lixo (sendo otimista, tá...). Sabe, pra não ignorar...não "ficar chato".

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Sua atuação daria quase na mesma, mas não lhe seria possível rir por completo, pois não estaria totalmente entregue. Haveria algum indício de resistência triste. Melhor mendigar! Rebaixar-se à posição que carece da mínima credibilidade! A quem não se deve explicação! "Não tenho e pronto". Onde a falsidade soa falsa desde sua concepção: a mentira "automática", involuntária. A que nós dizemos. Melhor voltar à rua e esperar alguém que lhe jorre vitalidade. Alguém que tenha se preparado para triunfar sobre seu destino público. Que lhe responda: "tenho grana mas não quero te dar. não sei onde e pra quê irá usar... você tem cara é de bêbado! E eu também tenho medo de abrir minha carteira aqui...aqueles trombadinhas devem estar de trato com você: eu abro a carteira e zapt! ... sumiu. essa bolacha? na verdade eu gosto demais dela e não suporto que me peçam. Vai trabalhar!". Qual não seria a satisfação do mendigo! O tapa na cara! O jogo limpo numa vida sem barba feita nem banho tomado. A clara noção de estar fazendo o papel do vagabundo que justifica a busca da disciplina por todos os outros. O espelho pro qual o sorriso operário prefere não se abrir.

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Fede.




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P.S.: Tenho respondido aos comentários no email da galera, mas agradeço aqui mais uma vez pela força!! É foda!




crédito: ao "sorriso operário" que o Gustavo definiu como ninguém!


11 comentários:

Anônimo disse...

muito bom!!!!
têm umas frases ai no mei que são muito boas!!
e claro que você não podia deixar de encerrar o primeiro parágrafo com "Pra ZL, mendigo é mindingo."!
parece até que vocÊ assistius às aulas da Sylvia por um semestre!
mas depois desse texto não pode deixar de assisti-las!
Parabéns!

Anônimo disse...

Ilustre Noubar!!
Legal: o blog e seus alívios,rs!

Cara, vc sabe que só consigo me expressar com sambas, pois é, aí vai um:

(Noel Rosa)
João Ninguém
Que não é velho nem moço
Come bastante no almoço
Pra se esquecer do jantar...
Num vão de escada
Fez a sua moradia
Sem pensar na gritaria
Que vem do primeiro andar

João Ninguém não trabalha um só minuto
Mas joga sem ter vintém
E vive a fumar charuto
Esse João nunca se expôs ao perigo
Nunca teve um inimigo
Nunca teve opinião

João Ninguém
Não tem ideal na vida
Além de casa e comida
Tem seus amores também
E muita gente que ostenta luxo e vaidade
Não goza a felicidade
Que goza João Ninguém!

Muito embora João ninguém não seja um mendigo, eles parecem ter uma prática parecida. E nos ajudam a questionar certas práticas, quase imperceptíveis, do cotidiano. Eles podem desvendar a hermenêutica (rs!) do nosso pobre cotidiano.

Abraço Rapá

Camila de Sá disse...

fruto da insônia?
quanta profundidade!
se ela me rendesse tao boas reflexões como essa, eu resolveria nao dormir mais. hehe

a dani bem disse aí em cima, lembra reflexões da S. Garcia, o mendigo [mendigo mesmo] é a negaçao da forma padrao de comportamento social.
questionam, ou apenas nos fazem questionar, a 'normalidade' nossa na cidade, o modo natural de vida, que talvez nao seja tao natural assim, o exagero do asseio, da vaidade, das posses, da comida, da multidão frénetica - e vai ao meio da multidão para negá-la.
acho isso incrível; tanto quanto esse texto.
parabens!

Anônimo disse...

Essas palavras me levam a (re)pensar até que ponto vale a pena nos submetermos a uma vida tão sem vida, deixando de lado o imprescindível, em favor de atender às necessidades que tantos nos impõe...ótimo texto, Noubar!Parabéns!

Anônimo disse...

Nubita! Hoje um mindingo virou para mim e perguntou: 'moça, não tem um trocado?' - Lembrei de você na hora! Mas eu tenho medo de ser corajosa, então respondi que 'não' apenas e não que 'não, seu bêbado, folgado!'. Daí, sabe o que ele me disse? Disse: 'Sabe para que que eu quero um trocado? Para beber cachaça'. Eu ia voltar para dar o trocado, mas como eu disse antes... tenho medo de ser corajosa.

Veleu pelo compartilhamento das reflexões da madrugada. De madrugada, durante a semana, eu sempre durmo. E de dia, eu quase nunca reflito.

Anônimo disse...

Outra coisa que eu esqueci de dizer: aaaaháááááá! Achouq ue eu não ia comentar dessa vez, né?

diri disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
diri disse...

Triste e claro, assim que vejo esse post do mendigo. Parece um raio-x do comportamento das pessoas, de suas ações. Cara, me identifiquei bastante com a questão de encarar os mendigos com certa indiferença... é ruim, mas é verdade. E, quando me sinto isolado da realidade, me condeno por ter esses sentimentos e medos (de abrir a carteira no meio da rua ou sequer ficar parado ali). Mas então me absolvo... não posso me culpar por um mal estar generalizado.
Mudando um pouco de assunto, vocês deviam ter ido ontem no bandex, o fricassé estava delicioso eheh.

Anônimo disse...

Parabens Mano.
Realmente vc tem talento e escreve muito bem. Sobre a indiferença citada isso é fruto do preconceito e tambem medo que nossa sociedade vive, porem cabe a nós não apenas ser sinceros ao dizer que nao quer dar um tostão para o mendingo, mas principalmente ter a coragem sim de dialogar e conversar os poucos segundos que ficamos parados ao lado deles. Eu ja ouvi isso uma vez de um cara que veio "limpar" meu vidro no semaforo - "Cara obrigado mesmo, as pessoas aqui me tratam como bandido e acham que eu vou assaltar eles com esse rodinho, vc trocou mol idéia e pans" - Resumindo isso tudo causa a exclusão social que essas pessoas vivem.

Bjs
Thiago o Mano

Borba disse...

meu um dia estavamos no bar ( sem trocadilho) e na hora de ir embora havia um mendigo na rua proximo do carro quando nos aproximanos ele nos disse " nao precisa ter medo estou aki pq deus tirou a minha mae de mim" meu akilo foi foda na minha cabeça começou a tocar a musica do Chaves nao indo pra Acapulco.
Nao quero que vcs pensem que eu to menospresando o sofrimento do mano o ponto que eu quero levantar e que apesar do sofrimento ele nao perdeu a fé
só isso

Rafael disse...

kra... muito foda a descriçao sobre o mendigo

parabens

ps: a música "Abandonar" eh do caralho