sábado, 27 de dezembro de 2008

O Natal de cada um. E o meu.



Uma parte significativa da família se reúne. Não por desejo momentâneo de encontro, mas por força de data. Os parentes ilustres e bem-sucedidos; e os apirantes a fracassados: parecem pedaços de um mesmo todo, sangüíneo. A mesa e as cadeiras são comuns a todos, assim como o ente mais velho, mais ou menos próximo de cada um dos presentes, e responsável pela compilação da estirpe.


Além disso, hierarquia. (im)Pura classificação.


Há os naturalmente carismáticos e agradáveis, a quem os cumprimentos são mais longos e sinceros - quase um priviégio -, e há os que só são recebidos pelo acaso do parentesco, pois, pra além disso, não possuem as qualidades requeridas pela sociabilidade: são geralmente introspectivos, abstêmios; não riem muito nem sabem fazer rir; não têm boas histórias pra contar; e disfarçam o deslocamento com periódicas inspeções em seu próprio celular. São os que solicitam rapidez aos minutos.


Aliás, uns contam suas viagens - passadas ou agendadas -; outros vêem as fotos, ouvem, e aprovam. Aqueles falam de empreendimentos profissionais vultosos; estes (que são minoria, hein!) ponderam suas escolhas. E procuram estágios ou empregos. Reflexos das classes que compõem uma mesma família, há os filhos. Os fidalgos e os desgraçados. Os que fizeram intercâmbio no exterior e os que ainda vão entrar numa escolinha de inglês. Muita inveja e indignação ocultados por sorrisos de "você merece" ("e eu não?").


Em tão aguardada noite, tudo isso conta. Da escolha do cardápio ao volume e qualidade dos presentes, nota-se a gradação humana: do mais festejado e querido ao mais alheio e relevado. Muitos se sentem realmente felizes nesses instantes de confraternização. Sentem prazer em esquecer as animosidades e desejar dias melhores a todos. Têm seu pretexto pra ver as pessoas aparentemente alegres. Outros se contentam em reparar nos vestidos repetidos e em torcer pra que alguém não ligue pra felicitar a família, dando ensejo às críticas relativas ao seu descaso.



Alguns ficam responsáveis pela compra dos mantimentos, pelos enfeites e pela oferta do imóvel; todo o resto desfruta. Às vezes, admito, lava a louça. (Mas que chatice! É natal!) Pois sim, conforto de um depende de esforço do outro. Há de se sacrificar o tempo e o trabalho de uns pra que outros possam celebrar de forma mais cômoda. Celebrar o óbvio. Admirar lâmpadas piscantes e coloridas. Nem as crianças acreditam em papai noel. Nem há esforço pra isso: tudo faz parte de uma lenda que não tem intenção de convencer. Nasce desacreditada, voluntariamente. Só resta o espírito natalino. Dá-se um video game de última geração ao filho e uma bola de plástico à ONG da esquina: solidariedade. O "eu faço minha parte".



Por fim, há os ranzinzas. Podem ser os mesmos introvertidos descritos no início desse desabafo, mas não necessariamente. Eles estão ali por algum motivo que transcenda seu livre arbítrio. Ou são filhos submissos e obedientes; ou cônjuges que cedem à vontade do parceiro; ou agregados, que, por não terem laços familiares suficientemente arraigados a ponto de constituirem sua própria ceia, se envolvem no camarão dos outros. No campo dos cônjuges, inclua os namorados (as) que comemoram à revelia. Estes lutam contra sua inibição e, ao mesmo tempo, tem de conquistar o carinho da família de seu amor. Celebram culpa e deslocamento.


Com seus sobrenomes inconvenientes, ocupam espaços escondidos nos cômodos de casas estranhas.


Esse é o meu ritual de natal. Não foge de todo o aparato do ritual cotidiano. Há vencedores e vencidos. Representação e espontaneidade. Como toda manifestação de alegria, ele atrai casmurros que procuram incoerências e desigualdades travestidas. Dá oportunidade aos observadores desleais que discorrem sobre o contentamento alheio. Esses que falam mal de tudo; que acham o ser humano um bicho bem estranho e inadaptado; que se deleitam em jogar água na champagne dos outros. Eu os conheço: alguns deles até se metem a escrever...


Após a meia-noite.


7 comentários:

Daniela disse...

"se envolvem no camarão dos outros"
muito boa essa parte!
você me lembrou muiiiito machado de assis com esse texto...e essa tirinha tá na sua caixa...na certa vc viu isso!
tem uma outra do calvin que irei transcrever aqui... os pais dele estão conversando...a mãe diz:
"reparou como ninguém mais se arruma para nada? as pessoas andam maltrapilhas em qualquer lugar"
ai o pai diz:
"todos são mal-educados também. dizem palavrões o tempo todo, e nem espere ser chamado de sr. ou sra. não há mais respeito por ninguém"
ai o calvin no outro quadrinho, com o cabelo arrumado e bem vestido diz: "e por que eu tenho que mudar o mundo?"
[essa tbm ta na caixa]
As relações sociais têm algumas regras no nosso mundo, senão não o convívio fica mais difícil(se bem que isso é bem questionável)! Experimente não dizer mais oi nem tchau nem obrigado nem por favor...=)

mais um texto ótimo...combina com o livro que te dei!

Anônimo disse...

E no fim das contas os mal-contentados devem ser chato por falta de serotonina, ou de sei lá o que. Vai ver é o não beber. No geral eu acho que os descontentes são os que mais gostam do 'natal'; as críticas são moralistas, no sentido de dizer que tudo no natal é fingimento (deixando implícita a idéia de que deveria ser um momento de encontro sincero e tal). Os 'amigos do natal', ao contrário, se contentam com o pragmatismo - tem que comer, dar presentes, passar um tempo nessa luta de status - e não é tão mal, se der pra vencer. Pra eles, no fim das contas, é só mais uma data, enquanto os descontentes sacralizam esse dia e ficam putos com a profanação, mesmo que não admitam.
Será que isso é irritação com o resultado das disputas que rolam nesse dia, ou com o ato contínuo de disputar?

Anônimo disse...

Devo confessar, adoro o natal!
Podem dizer que é uma data comercial, que não tem sentido nos dias de hoje e todo esse papo fefelechiano (rs), mas essa "coisa de natal" está tão arraigada em mim que quase choro com os comerciais natalinos da TV...rs
Adorei o texto, Noubar! Realista, ácido...chegou até a incomodar um pouco meu comodismo...Consigo refletir melhor sobre o significado do natal, mesmo sem deixar de gostar da data...rs
Beijos!
Nos vemos em 2009!

Anônimo disse...

Poxa Noubar!!

Eu gosto do Natal!!
rrsrs(brincadeira)

Em casa a prepara a ceia e vai assistir a missa. É ritual. Eu de certa forma eu gosto de ver as pessoas, me bonitinho como os pais do Calvin gostam, mas é claro que no Natal toda nossa vaidade e egoismo se reunem junto com a gente para como num show praticarmos nossa melhor arte: crítica e observação.
É meio paradoxal, para mim o fato simples de rever pessoas que a muito não via ou mesmo de ficar em casa e cear junto dos familiares ja é muito bom. Mas ao mesmo tempo sei que essa reunião é o momento para nosso show de vaidades.
Por fim, só comentando, ficou genial o trecho do politicamente correto. "videogame de útlima geração para meu filho e uma bola de plático para ONG da esquina"...Cara ficou demais...
Abraços e um Feliz Ano Novo para vc, sua família, para a Dani, para os agregados e para todos que acompanham o blog.

Anônimo disse...

Deslocado?! Deslocado e meio!
Celular?! Adoro!!!

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Festa chata: aniversário de um irmão distante que não vejo há muito tempo. Ele manda os parentes aparece para comerem e arrotarem mas ele mesmo não aparece... Ainda bem... acho que enfartaria se ele desse as caras...

PS.: irmão de consideração... para quem considera.

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- "Feliz Natal!!!"
- "Por quê?"
- "Ah... não sei... sei lá... como assim?"
- "C me desejou feliz Natal..."
- "Eh!"
- "Então... por quê?"
- "Sei lá, Rocco... c complica demais as coisas... é Feliz Natal e pronto..."
- "Ah tah... tendi."

Hahahahhahha

ahhhhh o natal! Adoro!!!

Anônimo disse...

Eu adoro o natal!

Mas juro que esse ano fiquei na dúvida...

ps: uma coisa nada a ver agora: adoro aquela propaganda sobre as pessoas que fazem aniversário junto com Jesus. A cena mais comédia é o povo cantando parabéns com uma vela de aniversário enfiada no peru! hahaha...

Beijão, Nubita!

Camila de Sá disse...

Oi, Noubar!

Voltei da praia nesse fim de semana e só então pude ler mais esse texto bem crítico e revelador. Para mim, revela aquilo que o disfarce das roupas de festa e do cabelo arrumado (ou não) torna mais tênue à maioria das pessoas no sentido de que mal se percebe, mas tênue no sentido de frágil, fraco, às pessoas de olhar mais inquieto e crítico. É nas festas e nessas ocasiões especiais que a coisa me parece mais à flor da pele mesmo. Uma frase atravessada, fora do protocolo, poderia facilmente quebrar o "encanto", o disfarce, de uma vez só. Mas acho que, no fundo, não é o que queremos. Eu, pelo menos, acho uma boa oportunidade para, além de problematizar esses espaços e eventos sociais, conversar com aquele parente interessante que passa o ano viajando, a prima que trabalha muito, a vó que mora no quintal mas que tem problemas com minha mãe... Natal é uma data especial e lá vou eu comparando com o teatro de novoo haha - penso que como lá no palco, onde você tem consciência de que as pessoas têm consciencia de que aquilo tudo é teatro, é "fingimento" dos atores, você pode estravasar com a real intensidade do seu íntimo o que você é no seu personagem. Lá na ceia todo mundo é ator e platéia, consciência do fingimento e expressão do íntimo de cada um. Alguns mais conscientes que outros, mais críticos ou não, mais adeptos ao teatro, mais hábeis com os improvisos ou menos, de fala pronta ou não. Como toda peça, creio eu, e nesse ponto vou com o Joao, o crítico vai avaliar a apresentação ali, pronta, mas no fim das contas é avaliação do processo, pois a peça é resultado dos ensaios, da dedicação de cada um, do entrosamento do elenco e tal. A crítica é do processo. É com a conformidade dos problemas familiares cotidianos que me incomodo. E o momento da apresentação é bem suscetível ao questionamento. Mas criticar profundamente sendo também platéia e ator/atriz é tarefa tão desafiadora quanto complicada, pois, de acordo com o que vimos na sociologia, interferimos em nosso objeto de análise ao estudá-lo e, sendo parte do objeto, modificamos a nós mesmos, nossas atitudes, e então temos um novo problema. Construímos os problemas, afastamo-nos das "magias", do espírito natalino pelo espírito natalino e injetamos racionalidade ali. Isso tudo para dizer que sendo da História você parece ter estudado Sociologia o ano todo! hehe! Talvez influências da namorada, não? Gostei da crítica e eu vi muita Sociologia nesse texto.
Gostei mesmo!

Feliz 2009!

Sim, e já ia esquecendo, datas comemorativas são uma boa desculpa pra eu desejar votos de alegria a quem eu gosto de verdade!