terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Literatura: (in) definições



Literatura é disfarce.


É inaugurar um boteco pra atrair ouvintes aos engodos de nossas mágoas. Castigá-los ou premiá-los, conforme seu estado de embriaguez. E o resto é encher linhas e esvaziar copos. Prosear sobre si, buscando afinidades. Fingir inventar, mas compilar: aproveitar-se de tudo o que chega a nós. Pensar em escrever sobre cada coisa que se passa. Forjar nelas a possibilidade textual. É o que faço. Falo de mim, numa espécie de busca de algo inesperado, porque restrito ao instante da escrita. Tem sincero empenho, mas é falso: ainda esconde aquilo que resguarda a credibilidade de quem escreve; o singular; o indizível. O que não quer ser alcançado.


Literatura é carência.


Escrever é sentir falta. É completar-se no moldar do alfabeto. E delegar ao outro o juízo sobre si. É jogar sujo: desculpar-se com as palavras. Mas sujeitar-se aos mais duros céticos. Alimentar o inimigo; enojar. Estimular o "puta, que bosta". E agradar também. Reiterar carinho. É vingar-se do mundo ao mesmo tempo em que lhe pede auxílio. Interpretar por não saber agir. Escritores são complexados. Não resistem às auto-avaliações. São neurastênicos sempre prontos às sensações extremas: ora demasiado contentes consigo; ora assaz decepcionados. A intensidade de tais sensações é pretexto pro texto. Empurra.*


Literatura é hábito.


Mais que tudo: um costume. Segue instintos, mas todos corriqueiros. Inspiraração vem com treino. Quando não vem, há sempre outros recursos. Como agora, basta falar daquilo que se almeja com as letras: teorizar. Reciclar seu modo de escrever pra ganhar tempo. E aí esperar um novo mote. Não decepcionar o hábito. Reforçar-lhe enquanto conceito para que não se desvirtue: hábito tem de ser cotidiano, quase natural. É, também, tornar involuntária a procura de uma imagem que complemente o texto. E depois pensar: "por que sempre tenho de colocar uma fotinha? mais uma atração? uma isca?". Acabo colocando. Se bem que... esse finalzinho talvez devesse estar na definição que vem logo a seguir. (mas valeu: equilibrou o número de linhas)


Literatura é enfeite.


Mais precisamente, é enfeitar. Premeditar metáforas, calcular sua recepção, fugir dos clichês. Maqueá-los pra lembrar que, ainda que hoje sejam clichês, um dia foram inéditos, e tiveram sentido. Remodelar esses sentidos é colocá-los sob o reino da forma. Submetê-los. Escrever sobre escrever é perfumaria. Ah, o rótulo de perfumaria! Cospem: "A vida segue dura, e a arte deve se engajar; precisa denunciar as injustiças!". Não vejo tanta transcendência assim. Literatura é ornamento. Que mal há?** Necessitamos de oxigênios diversos: esse é o meu maior. Conscientizar é coisa pra gente grande. Mudar o mundo é um fardo pesado demais pros escritores. Os amadores, então, vish... são isentos pela inexperiência. Enfeitemos nossas árvores de natal com luzes chamativas, que basta.


Literatura é remorso.

Por isso aí acima. Porque sempre há uma sensação de inutilidade. Aquele "tá, e aí? o que muda? aonde quer chegar?" E aí que nos resignamos em ser inócuos aos grandes problemas do mundo. Ao menos por aqui. Que centremos nossas forças transformadoras em outras ações, concretas. Ou nem isso, porque também há muita falácia. Por enquanto, só remorso incompleto. Desconfortos de fachada. Incomoda, mas não o suficiente pra impedir nada. É o "sofrer" de longe. O "dói mais em mim do que em você": blá, blá, blá.

Literatura é paciência.


Isso mesmo: a sua. De chegar até aqui. Infeliz! Seu prêmio, sei lá... é seu próprio sorriso, de agora: esnobe, indeciso ou satisfeito. De que lhe vale? Ao espelho!




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E é mais um monte de coisas. Que o digam vcs. Estas são apenas as que me vieram aos dedos nesse momento. Agora, publicado, já me vieram outras definições, mas perderam sua oportunidade. Não coloco os créditos da imagem por não tê-los encontrado.

P.S.: Carol, isso se deve ao que vc falou aquele dia Nou Bar, sobre eu escrever sobre o próprio ato de escrever. Na verdade, vc falava de blogs, mas...tem a ver, porque o blog é onde publico, e me exponho. Bom, foi um estímulo seu, de um modo ou de outro.


*Demasiado contente! Pelos recentes textos de Camila e de João (Odisseu), que me estimulam pra caramba!; pelos comentários do último texto, que foram realmente outros textos, anônimos ou não; pelas férias que se anunciam ociosas!; pelo clima de natal (mentira!).


**cacófato notado, mas que seja! Que mal há!?

10 comentários:

Anônimo disse...

Praticamente um teórico literário em calças parnasianas!!!

Daniela disse...

É a latinha de royal! O que sintetiza, segundo meu professor de literatura, a metalinguagem (ela tem, no rótulo, sua própria imagem). No seu caso foi uma latinha e tanto, não deixaram de ser reflexões sobre cada grãozinho do pó royal, cada etapa até chegar no lacre da latinha, e depois a passagem pelo controle de qualidade.
Não hesitaria em usar seu pó royal no meu bolo, ele cresceria e ficaria macio como nunca!
Parabéns, sua latinha merece ISO 9001

Anônimo disse...

Belo!

Untrue, mas belo...

Sincero e sensível. Realmente não há razão deu sentir inveja.


Sr. Los Hermanos....

Uso as sábias palavras de meu pai para melhor expressar aquilo que senti ao ler este belíssimo excerto: "Profundidade de cú é ro**"

Hehehehehe...muito bom Nou Bar!!!

Noubar Sarkissian Junior disse...

(eu juro que pensei em colocar como p.s. ou adendo um "comentário previsto", onde eu colocaria o "Literatura de c...é r..."...rs. mas, de verdade, aí sim seriam palavras falsas. usadas mesmo só pra não perder a piada. Pensei no mauricio lendo e pensando isso...em vc, no fernando, enfim! valeu!)

Anônimo disse...

Nubiiiiiitaaaa!!!

Adorei o post!

Já conversamos sobre isso pessoalmente algumas vezes, né? Ler o que você escreve é para mim conhecer melhor quem você é, ou quem quer ser ou quem você quer parecer ser. Mesmo que escrever “ainda esconda aquilo que resguarda a credibilidade de quem escreve”. De uma forma ou de outra, no blog você se publica e se expõe, como você mesmo disse nos peésses. E eu tenho muita admiração, apreço ... carinho pela pessoa que você publica ser você. Como você mesmo disse (porque desta vez, eu só vou redizer o que você já disse) o blog também está servindo para “reiterar carinho”.

E não decepcione seu hábito de escrever para não decepcionar o meu hábito de ler o que você escreve...

Beijão

Carol Kuk

Anônimo disse...

Noubar, muito bom o texto...devo confessar que tenho ligo todos assim q vc nos envia a "notificação" dos novos textos por e-mail, mas não tenho inspiração à altura para comentá-los...assim, as vezes prefiro não escrever nada (pois diferente de vc, não sou tão boa com as palavras). Mas continue nos abastecendo com essa leitura tão prazerosa, e por algumas vezes tão inquietante de ler, pois como sempre disse meu pai "as pessoas podem ignorar, mas ler nos faz pessoas melhores, e isto influi não apenas em nossas vidas, mas na de todos que um dia hão de cruzar nosso caminho"...escuto isto desde criança, até já decorei...rs, mas realmente, me sinto uma pessoa melhor, que sempre aprende ou reflete melhor a partir de algo novo que lê...

Bom, quero aproveitar o espaço para desejar boas festas a vc e seus queridos! Muita saúde e inspiração em 2009 para que vc continue nos presenteando com seus ótimos textos!

Beijos!
Mi

Camila de Sá disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Camila de Sá disse...

Também leio o texto assim que recebo o email. E não fiz diferente com esse aqui! Costumo falar que odeio a tecnologia [talvez por eu ser uma indisciplinada e os aparelhinhos necessitarem de tempo na tomada e a internet me grudar na tela], principalmente depois de passar um dia no mato como fiz nesse final de semana, mas é fato que ela me proporciona prazeres todo especiais como esse. Não abomino, pois. É tão bom receber seu email!
Mas para comentar aqui ainda não estou pronta. Falar de literatura é desmascarar nossas próprias faces! Mas já vou adiantando que me enxerguei em muito do que você disse! Como sempre, muito bom!

Anônimo disse...

"E o resto é encher linhas e esvaziar copos" ...Bem-vindo ao bar! (heheheheh)

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Sobre o anonimato: No comentário do outro post eu ia me identificar, até para que você soubesse que acompanho seu blog, mas por alguns instantes resolvi não fazê-lo e agora explico: queria ver sua reação a um "elogio" (tive a intenção de elogiar.. heheheh), a uma idéia, a algo solto no vazio, sem dono, sem remetente. Não que o elogio tenha sido premeditado... não... ele surgiu primeiro... depois a idéia do anonimato apareceu. (já peço desculpas por envolvê-lo nisso sem sua prévia autorização, mas caso a pedisse o efeito não seria o mesmo). Por considerar que obtive um resultado incrível com tudo isso é que estou lhe escrevendo isso tudo... tenho que dividir com você...

Na minha primeira leitura do que poderia acontecer, considerei que você leria o coments... avaliaria quem mandou... e julgaria a veracidade dele. Criaria uma série de conceitos "bons" ou "ruins" ao meu respeito dependendo do veredicto. A mensagem em si não teria tanta importância.

Depois da sua primeira resposta comecei a questionar o que teria acontecido se eu tivesse me identificado. Talvez você nem me respondesse... talvez você me ligasse para me xingar... sei lá... seria algo extremamente pessoal. Pessoal com o remetente. Talvez você não fosse tão sincero quanto foi. Talvez não tivesse te feito tão mal, a princípio.

Seja lá o porquê, a mensagem ganhou uma força muito maior... mesmo tendo sido clara ou não.

Posso estar extremamente errado em toda essa consideração... posso, mais uma vez, não ter sido muito claro... mas gostaria muito discutir tudo isso com você! Foi uma experiência muito interessante para mim... Precisamos marcar um dia para esvaziar mais uns copos!

"Escritores são complexados. Não resistem às auto-avaliações."

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" Inspiraração vem com treino. Quando não vem, há sempre outros recursos."

Cara... phoda isso... chamo essa idéia de "Poesia = Casa de Oração" tem dias que você "ora por fé" e tem dias que por "respeito... obrigação"

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Enfim... muito bom novamente...
Deixei o link do meu blog dessa vez... heheheh

Abraços!

Noubar Sarkissian Junior disse...

Velho, isso tudo foi muito louco. Mesmo. Eu, vez ou outra, me questiono sobre o lance dos anônimos: deixo liberado pra que justamente as pessoas possam criticar sem receios de intrigas pessoais. Isso pode ajudar a explicar minha reação tão ácida. dá impressão de que, se a pessoa preferiu não se identificar, a crítica "negativa" já está implícita. Qualquer frase que por ventura pudesse ter duas interpretações, geralmente é vista como "ruim".

E o resultado foi incrível mesmo. Foi ótimo preu tomar consciência de até onde vai minha falibilidade. Eu, depois de fazer uma leitura equivocada de seu comentário (e de atribui-lo à outra pessoa), só tive olhos pra uma resposta impensada, passional.

De certo modo, o papelão que promovi serviu pra muita coisa. Temi que vc não voltasse mais a esse espaço, mas vejo que também aprovou o resultado de sua intervenção.

É impressionante como, agora, suas palavras me parecem muito mais claras...sem rusgas, tudo ficou mais produtivo pra mim.

Gostei de sua analogia com a oração: a noção da obrigação...do respeito. Ta aí: escrevo por respeito às palavras e às pessoas que se atrevem a ler!

Grande abraço!

(Renato Mullinari...tu és o Brandão, das "notícias de sol"??)