Foi bem em frente à Rede Globo. Bem ao lado da ponte nova, pomposa. Diria até que sob o alcance das câmeras de segurança da emissora. Após a freada, também esteve vigiada pelos meus olhos. A batida. Dois ônibus fretados, que acabavam de passar pela Berrini, e deixavam seus últimos passageiros nas respectivas empresas. O da frente brecou sem motivo explícito, e o de trás não teve tempo de parar: estampido. Quem bate atrás, dizem as leis de trânsito, SEMPRE está errado. Um sempre importante por ser objetivo (já que lidamos com versões normalmente opostas), mas inócuo e falho. No acidente de há pouco, o de trás não tinha o que fazer. E isso ele mesmo soube, mas assimilou com uma indignação por mim inesperada. O motorista, já de meia idade, saltou do ônibus e se dirigiu tresloucado ao motorista da frente, que saía com um semblante de "eu posso explicar". Não houve tempo. De súbito, uma tentativa de soco no rosto. Então, só porradas: desconexas, míopes, de raspão. Brigavam como quem erra de propósito. Como quem tem de brigar mas torce pra que a turma dos apaziguadores chegue logo e separe. Eu estava na calçada, meio atônito, meio nos tempos de briga no recreio, meio "que se matem", meio "e os passageiros?", meio "será que esperam que eu corra pra separar?". Mantive-me inerte, com uma leve reduzida de passo. Eu realmente não queria completar o ritual dos machões. Que ficassem lá até cansarem de errar um ao outro. Se fosse eu no ônibus da frente, sei lá, viu. O cara de trás já veio socando. Como eu me explicaria? Não teria jeito: seria correr ou sair no braço. Imagine um cara do meu tamanho (1,90m) correndo de um tiozinho barrigudo, bigodudo, clássico cobrador, mas motorista. Imagine um cara de minha pacatez (ficha limpa) trocando mãozadas com um quase-senhor. Foi nisso que fui pensando: em como eu também era um motorista da frente, sem voz, sem razão, sem rumo. E eu não era um motorista de trás, mas simplesmente por não saber brigar, porque nervosismo eu teria de sobra, sabendo que meu meio de trabalho estava avariado, que vários procedimentos burocráticos me aguardavam, e que haviam outras pessoas dependendo de meus serviços. Passei como mero espectador, sem o heroísmo dos "deixa-disso" nem a maldade dos que botam fogo ("orra...orra, vai deixar?"). Logo uns carros pararam, e motoristas engravatados "fizeram sua parte", mostrando que "não precisa disso", pedindo calma, e zelando pela paz mundial. Buzinas. Segurança comenta: "Que cacetada, hein?". Crachá. Catraca. Elevador. Tempo deles.