quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Primeiro dia de aula

Chego mais devagar do que o normal, inventando obstáculos, desamarrando os sapatos apenas pra ter o que amarrar. Sem pressa, buscando o encima da hora. Estar no limite, tal como estar atrasado, é cartão de visita: coisa de gente compromissada. Ou coisa de quem mora longe. Pontos a favor. Ou coisa de vagabundo mesmo. Deem os pontos que quiserem, e eu ofereço minha cumplicidade. Sou o quase vagabundo, disfarçado de pontual. Esbaforido na essência, mas relapso no simular.

Ver um bando de rostos desconhecidos, e não ter mais a vontade de conhecê-los. Coabitar sem conviver. Cumprir, esperar acabar, desnotar. Desentender os motivos que me fazem continuar, e me conformar com o brinde de papel enrolado, quiçá enquadrado. Os amigos vão saindo pra rua, pra vida. A porta, traiçoeira, mostra a sombra, e nem dá pista de luz. O mundo é escuro ou meus olhos é que nasceram cansados?

Quando criança ainda havia a inibição, o medo de gente. Ouvir o nouBAR da chamada era o mote pras risadas dos "coleguinhas". Preferia as semanas seguintes, quando éramos chamados pelo número. 27, 28, até 30 fui. Tinha tempo suficiente pra fazer tarefas de casa enquanto os colegas das primeiras dezenas iam mostrar o caderno pra tia. Registrarei meus filhos do M pra frente, e lhes darei, de primeira, vários pontos positivos no diário da professora. Mentira. Filho é coisa do passado. Eu sou melhor avô do que pai, e ainda não descobri como driblar a genealogia.

Eu agia assim. Ia totalmente contrariado. Tinha pavor de conversar com meninas, pois "elas gostavam mesmo era dos caras das séries superiores". Ou se era um galãzinho, ou se tinha vergonha de estar ali perto delas, deusas de nossa imaginação. Procurava me amigar dos outros meninos, e optava pelos também estranhos. Formávamos turmas estranhas, falávamos de futebol (sem saber jogar), mulher (sem sonhar pegar), e de lições (que era o que restava). Tudo se ajustava, estranhamente.

Conversa. Hoje chego tão devagar quanto sempre. O distinto é não ter mais a esperança de que a gente muda com o tempo. As características crescem conosco, e apenas se adaptam às novas pessoas, aos novos lugares. Não há medo, há indisposição. Não há chacotas, mas nem risadas. Somos adultos, e deveríamos escolher melhor. Autonomia: engodo bom. "Introdução aos estudos da educação: enfoque sociológico": o curso.

Desgaste. Outro item pra coleção dos parágrafos melindrados. Vontade de começar as coisas pelo meio, de atalho.

Tão estranho e constrangedor: meu primeiro dia de aula.

5 comentários:

Anônimo disse...

"Ver um bando de rostos desconhecidos, e não ter mais a vontade de conhecê-los."
tá entre umas das melhores frases da facul mais ainda perde para a gloriosa "alargador de cu é rola"

gostei dassa frase Nubita
eu tô nessa tmb

Noubar Sarkissian Junior disse...

Ê, Maurício! Quando é que vc vai aprender a assinar os comentários? hehe!

Sem dúvida, essa do alargador, inclusive pela espontaneidade com que foi dita (sem cálculo), é imbatível, mas eu a classificaria como a melhor frase de bar, não de faculdade (é...não, não é a mesma coisa!).

Abraço!

Carol Kuk disse...

Bita,

Esse texto está muito bonito. Mas é de uma melancolia filhadaputa!

E a gente – digo a gente porque é a gente mesmo. A gente, para quem você escreveu este texto, a(s) gente(s) que vão se identificar e ficar profundamente abalada(s)*... você sabe quem – vai sem medo (você tem razão) e com uma indisposição (você tem razão) que peloamordedeus. Eu escreveria o texto de novo. Igual (igual, só que pior, porque eu não escrevo tão bonito). E escreveria algo querendo dizer “buscando o encima da hora” e escreveria outro algo querendo dizer “ver um bando de rostos desconhecidos, e não ter mais a vontade de conhecê-los” e escreveria outro algo ainda querendo dizer “coabitar sem conviver” e escreveria outro, querendo dizer que “as características crescem conosco, e apenas se adaptam às novas pessoas, aos novos lugares”.

E em vez de “vontade de começar as coisas pelo meio, de atalho”, eu diria: vamo logo pro refrão, vai! –plágio.

Beijos, Bita.

*esses parênteses são uma homenagem ao Murari.

Carol Kuk disse...

hahahaha. Tipo, a parte que vc não entendeu é praticamente 90% do meu comentário!

Noubar Sarkissian Junior disse...

Ei!
Eu não tinha entendido o que motivou as citações. Agora vejo que estava bem claro. De qualquer modo, eu tinha achado muito bonito!
As duas interpretações possíveis (pra mim) eram bacanas, e já estava valendo!

Agora, essa do "vamos logo pro refrão" (piada interna ou não) me fez rir bastante.

Sabendo que vc escreveria mais bonito caso quisesse, lhe agradeço!

Beijos!