quinta-feira, 6 de agosto de 2009

"Eu sei, não é assim, mas deixa eu fingir!"



É tão gostoso descobrir alguma coisa e depois elevá-la ao nível das coisas indispensáveis à nossa sobrevivência. Meio que pra fundi-la a si, dar-lhe um sentido absoluto. Oferecer um bom motivo pra que ela se integre à gama de experiências que nos compõem, esculpem. Eu também adoro, e tendo sempre a ser passional, a me auto-flagelar pelas lacunas que ainda habitam minha personalidade. No específico caso que me faz escrever, há ainda mais culpa, pois essa descoberta está se dando aos poucos, devido a uma teimosia de minha parcela musical.

Todos nós, em algum momento da vida, esbarramos com os caras dos Beatles. Pra uns há a influência de parentes fanáticos pela banda, pra outros há o embalo comum entre um grupo de amigos, e há ainda os que embarcam nessa por simples curiosidade: querem entender o que existe de tão especial no som desses ingleses. Eu sempre achei um grande exagero o ufanismo destinados a eles. Pra além disso, nunca manjei de inglês (isso atrapalha bastante a recepção de qualquer arte expressa por um idioma - pela palavra), e considerava-os musicalmente comuns. As pessoas foram insistindo, insistindo. Apontaram-me alguns atalhos. Topei.

Muito do que ouço deles ainda me soa estranho, mas o que alcancei pelos atalhos (indicações) já valeu os anos de resistência. Blackbird foi meu grande pretexto. Estranho pensar que uma música de 2 minutos fosse preencher tantas horas dos meus últimos dias. Ela e Across the Universe são o ponto de inflexão que me fez despertar: Beatles é bom demais. Depois vieram outras várias, sempre avalizadas, que me instigaram a arrumar qualquer desculpa pra pegar o carro no último fim de semana e colocar o som bem alto, imitando filmes. Eu gritava Let it Be e When I'm 64 como quem domina a língua saxã. Como quem substitui as buzinas e sirenes por um mundo só seu, de vento e som.

Os carros me servem mais é pra isso mesmo. Pra andar sozinho, com as músicas que me fazem sentir algo transformador, ou nostálgico. Os carros são os quartos de filho único, onde se tranca pra mergulhar em si mesmo. A diferença é que as pessoas te veem. No mais, continuam não lhe notando, por nem valer a pena, por correrem pra chegar mais rápido. Sigo. Irresponsavelmente ilhado entre os vidros. Passageiro de minhas músicas preferidas. Gosto disso.

Gosto dos Beatles desde o último fondue na casa da Carol. Desde a versão de Blackbird do Carlos. (Desde Criança.) Transformo minhas frustações em fixações pueris. Envolvo-me de um modo inegável. Gasto minhas fichas de uma só vez. Depois cansa? E aí descansa. Bom dizer agora, no crescente da paixão, pra que fiquem com o que há de melhor.

Numa esfera paralela, a vida vai passando. Vou anexando afinidades, intercaladas a cada brecha que me aparece. Vou fingindo parcerias, projetando futuros, dublando canções alheias. Quase sempre pegando a via melancólica de um fim de texto. Quase sempre escrevendo menos, almejando menos. Doses de desilusão estão cada vez mais permitidas aos maiores de idade. Confundam-me com um garoto. Permitam-me sonhos baratos, respiros fantásticos, e me ajudem a não ver o mundo real.

Help!



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6 comentários:

Felipe Alves disse...

Meu caro Noubar!!!

Essa é ótima. Como é maravilhosa a sensação de ouvir uma banda e gostar. Ouvir a mesma música várias vezes e realmente se cansar.
O melhor de tudo é voltar a ouvir depois e ver outra razões do por que é boa tal banda.
Acho que em se tratando de música o que vale é o gostar. Um arranjo faz bem ao ouvido e logo vc se ve enfeitiçado, sugado e preso no universo daquele som.
Quando vc postou aquele link do Beirut pro Caio que foi num dos e-mails gerais da galera, cliquei de curioso e me vi a ouvir sem parar.
Me sinto meio que realizado, acho que vale é o prazer do momento de descobrir. De coisas novas ou de velhas que ressurgem e passam a te chamar a atenção que nosso olhar ,ou melhor ouvido, desatento não captou antes.
Humildemente me rendo e me pergunto por que não percebi antes?
Talvez nosso espirito vai requerendo a cada momento novas melodias, novas trilhas para conduzir o nosso filme.

Abraços

Anônimo disse...

E eu perdi a cantoria noturna...

Anônimo que gosta de chistes.

~°Aquela que reclama°~ disse...

eu sempre amo o que vc escreve...quisera eu, ter esse dom!

Marcos Zizu disse...

Ah cara, Beatles é foda msmo, vc vai ouvir p burro agora, nao vai enjoar, e ouvir sua vida tda... Faz tempo q comecei a ouvir Beatles, e ainda ouço quase tdo dia.. Deve ser o pacto com o Demo q eles fizeram, rs..
Abraço..

Noubar Sarkissian Junior disse...

Felipe! Seu comentário fez sucesso entre as pessoas que falaram comigo sobre esse texto, e isso me traz grande satisfação! É mesmo bastante impreciso o que nos chama a atenção e, do mesmo modo que descobrimos várias coisas por acaso, devemos perder outras também. Como o João diz, "para não esquecer, compartilhar."

Anônimo dos chistes, andam dizendo que o campeão voltou...

Flora, moça que devia reclamar mas não reclama, muito obrigado por sua generosidade! Gostoso saber que vc passa por aqui sempre!

Zizu, tomara mesmo que haja Beatles pra bastante tempo. Por enquanto nao enjoei nem das que me tocaram primeiro! E várias outras já estão se incorporando ao repertório. Valeu pela frequência!

Carol Kuk disse...

Um poema, uma imagem, uma música ou uma lembrança (às vezes, uma lembrança de um poema, de uma imagem, de uma música) transformam-se em grandes companheiros e ajudam a amenizar o mau humor e o desânimo dos nossos dias de trem lotado, de trânsito na hora do rush, de estresse da chefia, dos cônjuges. Graças a Deus! Mas às vezes, muito mais do que amenizar as desgracinhas do dia a dia, essas coisinhas (grandes coisinhas: músiquinhas, poeminhas, imagenzinhas, lembrancinhas!) despertam umas paixões gigantescas! E daí… cara… mano, bixo, brow. Daí sim, a gente fala dos seus Beatles. E o pior, é que Beatles contagia e recontagia e recontamina as nossas vidinhas. Em grande parte graças a você, eu ando recontaminada…

E tem uns presentes que valem muito por não custarem nem um real. Um CD antigo, ex-meu, com uma dedicatória na capa. E vale muito mesmo. São os meus Beatles que eu quis que fossem um pouco parte dos seus Beatles. E ainda vale mais, porque valeu um rolê até o ibira e um outro rolê bem mais interessante…. Na maionese.

Beijão bita.