quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Lá Maior




Lá (é) mais alto, oitava acima.

Lá, em volta da pirâmide, eles gritavam:

Cadê o Belchior?

Lá as coisas demoram a chegar. Independem da pressa. Lá é a terra dos vadios. Vadio, lá, é adjetivo carinhoso. É caricato, com violão nas costas, sem saber da morte do Raul, a suspeitar as horas pelo sol. Eu lá gosto de vadio? Aprendi a simpatizar. Pedi passagem, pedi um pouquinho de pôr-do-sol, pedi uma canção que não fosse reggae. Eu lá gosto de reggae? Nem lá.

Sou vadio de mentirinha, de chinelo e barba esporádicos. Sou vadio domado, de violão sem palheta. Também gosto de Belchior, mas, vadio incompleto que sou, já sei que ele está no Uruguai. Antes não soubesse, e ficasse a gritar "Cadê o Belchior?". Já gritou/falou/pensouemgritar isso? Soa bem, e já vale o esforço. Aquela imagem de galera reunida, contando até três e soltando naquela tradicional quase-sincronia: "Cadê o Belchior?". Não importa se alguns da galera saibam onde ele está. Importa o som entoado. Não faz muito sentido a vocês? Certamente faria se ouvissem os vadios: iria ficar na sua lembrança.

Lá é muito mais coisas. (Eu não perdoaria o Belchior se sua digressão me tomasse o texto todo.) Lá é o lugar do misticismo construído: da pirâmide que nasceu como boteco fracassado, da gruta com fim desconhecido - e que dizem levar a Machu Picchu -, da ladeira onde o carro sobe sozinho. Ceticismo lá é inconveniente, mas não inegociável.

Aproveita-se a cidade em suas camadas: há quem acredite estar num atalho pra terra dos incas, e há quem apenas queira brincar com morcegos; há quem jure ter visto Raul Seixas na noite anterior, e há quem nem goste de Raul; há quem se banhe nas cachoeiras pensando na magia incomum daquelas águas, e há quem só aprecie a beleza do contorno esboçado pela natureza molhada; há quem goste do pôr-do-sol, e há quem espere a lua.

É mato. É pedra. É começo de caminho pra um monte de gente. É refúgio praqueles que buscam voltar a acreditar na transcendência. É refúgio pra mim, que nem sei acreditar em nada, mas que ainda acredito em meus sentidos. É bonito demais. É cheiroso. É sonoro em seu silêncio. É gostoso.

E é tão fotográfico. Segue sendo um lugar tão iníquo quanto o que há de turístico por aí. Se fosse filme, não seria lírico, mas é foto: é o que eu quis enquadrar. É o mundo forjado (fascinado) por meu inconsciente. É a expectativa pronta pra ser atendida: água doce contada, e depois cantada.

Não há culpa em ver o que se quer ver. Não há mal em guardar a quintessência de nossas lembranças. Eu quero mesmo é ter saudades. Lá é o que as duas meninas me pintaram, carinhosas, comparsas. Lá agora é o lugar das três meninas (caídas d'água), e elas o emprestaram preu ver de perto.

Devolvo-o de bordas roídas.

Guardei um pedaço pra mim.

________________________________________________


P.S.: um pouquinho de São Thomé das Letras. Clique nas imagens para vê-las maiores.










P.S.2: Cadê o Belchiorrrrr?

6 comentários:

Uma menina disse...

Maior que o Lá, lá, era o sol. E a lua, que insistia em dividir o azul.
E as nuvens de céu cenográfico, todas em degraizinhos.
E a cidade branca, se vista a três corações de distância; de perto, pulsante.

É mais pedra que mato, mais vento que ar, mais (além?) do que se vê.
Mas o que se vê, isso é mesmo bem bonito, e dá vontade de guardar tudo, e de não guardar nada, porquê o que é de Lá, fica lá.
Há quem diga que os que não voltam, é porque são assim!

Lá é lugar de levar os amigos no bolso, nos ouvidos... até na farmácia!
De olhar com muitos pares de olhos e achar bom que eles fiquem cheios. E que transbordem.

Lá é lugar de voltar!

E você é meio vadio, meio de esquerda =) De violão sem palheta e sem cachoeira, mas cheio de pôr-do-sol e de som (claro, mas tinha que rimar!).
É altruísta, que guarda um pedaço pra si, mas deixa o melhor pra gente.
É todo ardil, segredo, surpresa, chamego. Meu nego!

Beijos de quem sabe que estava tudo armado!

A mesma menina disse...

Sugiro essas legendas pras suas fotos:

Sorrateiro

Menino da Ria

Sarkissiana Jones

Fazendo onda (hehe, não pude evitar!)

Metalinguagem

Janela pras outras meninas

Doisemum ou Coisa de passarinho espanhol

Mais beijos!

Carol Kuk disse...

Eu estava ansiosa por este texto, pô! BEIJOS

diri disse...

"Oi, Noubar?"
"Não, é a Sarah, o Noubar tá dirigindo. Estamos viajando!"
"Ah é? Para aonde?"
"Não sei!"

O melhor diálogo por telefone que eu tive nos últimos tempos ahah!

Não conheço Lá, mas pelo visto o casal aproveitou bem!
E essa história do Raul?, conta direito!

Caio disse...

Opa, esse texto aí superou hein? Essa menina que disse manda bem tb!

Michelli disse...

Ah, não conheço São Tomé... mas o texto é sem dúvida um convite para conhecer "Lá".
Beijo!
Mi