sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Com que roupa?





"vai chover... de novo
deu na tevê...que o povo
já se cansou...de tanto céu desabar"
(Marcelo Camelo)



Basta não ter o que dizer, e se recorre à instabilidade do tempo. Conversa de elevador, de sala de espera, de semi-conhecidos. Quem explica esse frio de hoje se estava tão quente ontem? Será que vai chover no fim da tarde? E eu sempre saio sem blusa...que tempo doido, não? Acrescente as frases similares que cansamos de repetir por aí, trocando tempos e semblantes gentis, e teremos nosso repertório de insatisfações climáticas. Agora o coloque sob seus olhos, e pressinta o que irei dizer.

Escrevo pra me opor a essas reclamações. Sou conhecido e caçoado por não me dar bem com guarda-chuvas e, vez ou outra, chegar a algum lugar com umas gotas a mais no traje. Há ainda os maldosos, que dizem que meu cabelo (de microfone, cotonete, valderrama, etc) é que substitui o protetor chuvar, e que, portanto, não é mérito nenhum eu abdicar de seu auxílio artificial. Descontadas as calúnias, garanto: prefiro a chuva, sempre. Andaria sem guarda-chuva ainda que a chuva fosse a mais provável das supresas verpertinas.

Pois bem, apelo à delícia que é o acaso. Defendo a imprevisibilidade do tempo. Sem ela, seríamos tão mais sisudos. Do que falaríamos quando nada fosse contrário à normalidade e à rotina humanas? Aí que está a chave: o "normal" de nosso clima é ser caótico. Semelhante ao que se dá com a metrópole mal-criada: via de regra, é caótica. Patológico seria se pudéssemos domar também o clima que nos abriga (já que as cidades, excepcionalmente, podem ser domesticadas até o habitável). Obviamente, há um pouco de (descaso) humano no caráter descontrolado do tempo, mas há também a insubordinação da natureza às nossas leis. Que ótimo, não?

Tanto escrevo, tanto escrevo, e ainda não disse. A pergunta: quem é/está maluco? O tempo? Ou nós que, condicionados à vidinha de filhos-que-não-saem-de-casa-sem-uma-blusa-de-frio-na-bolsa, blasfemamos aos céus a cada pé d'água insuspeitado? (essa é a típica pergunta tendenciosa, que quase o obriga a concordar comigo. Se não quiser, no entanto, não o faça. Responda: "maluco é o tempo mesmo." e terá, no mínimo, a aprovação segura de minha avó. Segundo ela, no Egito tempo de frio era frio, de calor era calor: cobertores dobrados no fundo do armário. De qualquer modo, lembre-se: pirado é você)

Passo um pouco de frio, mesmo que apenas sirva pra chegar em casa e, ao ouvir o "não te falei que ia esfriar a noite. Passou frio, né?" de minha mãe, dizer: "Não, não passei." Tomo bastante chuva, imaginando cenas de cinema onde casais fazem da água um motivo pra se molhar. Onde o homem torce pela chuva pra poder, cortês, oferecer asilo à sua dama. Meloso, até. Vá lá, molhado.



O certo é que o clima descompassado é uma de minhas últimas esperanças.
Enquanto desafiar nossa lógica e se rebelar contra ela, estará a salvo.

(e enquanto os grandes desastres naturais não chegam até nós, ocidentais marrentos, continuemos fingindo que o tempo é que está maluco.)






"Rain, down
rain, down
Come on rain, down
on me"
(Tom Yorke)



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P.S.: enquanto eu escrevia, Carol falava (sem nem saber o que eu estava fazendo): "aí começamos a falar do tempo...puta conversa de taxista, de... (não lembro o outro)"


P.S.2: e que só não chova na hora do futebol.

2 comentários:

Carol Kuk disse...

... de sala de professores... eu tava falado que em vez de se conversar sobre assuntos importantes, discute-se o climadoidodesãopaulo na sala dos professores.

E eu simplesmente não aguento mais esse tempo nublado - uns e outrs diriam dublado (legendado entre nuvens) - que faz nessa cidadezinha. AAAAAiii. E o tempo frioquente artificial de dentro desse prédio espelhado no Acervo? Peloamordedeus...

BEIJOS, Bita.

Anônimo disse...

Adorei o blog.
Beijos!