sábado, 1 de novembro de 2008

A volta. Lá pelas cinco pra uma.


Descobrir mais sobre a rua. Andar em meio à multidão com o fone de ouvido a ditar suas sensações. Não caminhar, apenas dar sentido à intangível trilha sonora que grita em sua mente. Optar por canções em inglês, por não entender a língua, e então dar-se a chance de supor que todas as palavras não precisam de sentido pra serem escritas. Ou que essas, que completam a música, retratam você. E seu momento. Esquecer que tudo virou objeto de análise e, naqueles instantes, sentir-se o melhor ser do mundo. Fazer com que tudo pareça seu cenário. Que as pessoas sejam seus figurantes. Inventar uma cena pra si mesmo. Olhar em preto e branco. Simular. Maravilhar o cotidiano para torná-lo texto. Procurar texto nos intervalos do dever. Ao menos nesses três minutos ofertados pela música, rir dos ínfimos problemas que precisamos ter. Os que procuramos pelo simples fato de exigirem resolução. Nossa afirmação. Ter a certeza de que ninguém suspeita de sua descoberta instantânea. Ao contrário, pelas expressões de bobeira facial por você emitidas, julgam-lhe maluco; um drogado qualquer. Ainda que alguém possa intuir o que estás a ouvir, não terá como captar a dimensão ritualística da canção. Aí, voltar a especular, a analisar. Rir disso também. Da tolice do mundo; da busca de uma função pra todas as coisas; das opiniões engessadas e peremptórias. Pensar que... ninguém sabe de nada. Que, enquanto você se move apenas pra não parar, todos eles procuram a superação do tempo, ou um emprego. Um uso. Julgar também a multidão, em sua unicidade. Não notar a moça que também vive uma cena singular, e que partilha de sua câmera onipresente, coletiva. A moça que você imagina para o texto, pois não a notou na hora, ora. E então suicidar seus minutos lentamente. Até um semáforo lhe barrar. Pra mostrar que você ainda não poderia resistir a um atropelamento. Pra dizer-lhe que sua hora de estrela não vale a pena. Até você notar que a música acabou. Que os fones não trazem mais um universo particular. Agora só abafam os sons da rua. E funcionam como seu relógio. Ao calar, ironizam. Dizem que sua descoberta já fora inventada e reinventada outras vezes. Que segundos belos são criados todos os dias, nas horas em que apenas eles podem substituir sua vontade de estar em outro lugar. Tempo infalível, e esgotado. A realidade se apresenta revirada, revoltante, dura. Sua única saída, agora, seria parar. Imaginar bloqueios e prostrar-se a cada metro avançado. Aumentar o caminho do restaurante ao trabalho. No elevador, contentar-se com o consolo de poder escrever tudo depois. De registrar seu roteiro sem fidelidade total. Poder fazer as coisas parecerem maiores do que realmente são. Protelar seu despertar e respirar fundo seus últimos segundos de horário de almoço...
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P.S.: só pra que isso aqui não fique sério demais. a permissão para as "viagens textuais". o retorno à irreflexão barata.

e esse texto, por amostragem, reflete o que acontece raramente comigo: momentos em que uma música vale mais que seu valor intrínseco. A foto é da rua xavier de toledo, por onde passo na hora do almoço. A música do dia foi "Mistaken for strangers", do The National, e até hoje eu preferi não procurar a tradução na net. Com o texto escrito, vou atrás.

8 comentários:

Camila de Sá disse...

Ahhh mas você se supera em cada novo texto, hein?
Novas maneiras de (ir)reflexão e expressão, um escritor que não limita a um estilo só!
Mas paro por aqui porque você já deve estar cansado de saber que aprecio muito suas palavras...

Alguns dias, sinto a necessidade de um par de fones de ouvidos também. São dias em que me desafio a combinar o desafinado da multidão atormentada com alguma melodia doce do meu gosto e então surge um novo som! Claro que nem sempre a combinação é harmoniosa e é aí que levo um tapa na cara - há algo realmente errado com essa gente toda! hehe! - Mas vale a pena tentar... é tão bom quebrar o cenário das caretas aflitas com um sorriso bobo através dessa brincadeira de musicar... mesmo que o motivo do riso seja nós mesmos, né?

obs.: tive que imprimir esse texto. minha irmã também adorou!

Unknown disse...

Mandou bem Noubar..

Tem um quê filosófico que minha estreita capacidade não captou bem. Só posso elogiar sua singular sensibilidade de captar, perceber, a fina ironia de viver a vida. Captar, perceber no sentido de conceber textualmente sua consciência frente a diversidade lógica e ilógica, irônica e debochada dos limites humanos...

Depois lhe presenteio com aquele abraço por trás...

P.S. Relembrando, Douglas é o Coa!

diri disse...

Nou-bar! O centro é mesmo inspirador.
Acho que sempre que estiver com o fone de ouvido, "suicidando meus minutos" na rua, lembrarei desse texto. É tão comum eu (e nós todos) andar com fones... ouvindo música e viajando! Hoje mesmo, acabei de chegar em casa com o mp3 ligado! E aí me deparo com o seu texto, com esses pensamentos sobre um momento tão pessoal mas ao mesmo tempo universal. e, digo mais... voce ta na trilha dos bons escritores, pois eles fazem justamente isso, transformam algumas experiências pessoais em universais. Como quando li seu texto e pensei: "nossa, é mesmo... sempre senti isso". É fantástico, voce colocou em palavras a sensação de um monte de gente sobre algo que passa batido aos que padecem da crônica falta de sensibilidade que nos assola!

(lembrando que Odisseu é o João, para homenagear meu caro Barão do Vale do Rio Coa)

Dani disse...

Bom, é o que o JP falou1
você escreveu o que eu sinto todos os dias
o que acontece quando a melodia combina com meus pés subindo as escadas da sociais
ou quando o ônibus dá uma acelerada
ou quando eu atravesso a rua pela faixa
que escritor!

Anônimo disse...

Estive ausente dos últimos textos (da internet, por assim dizer), mas é muito bom ler seus textos Noubar! Esse da música definitivamente me deixa entusiasmado, pois me da a experiência de conhecer um grande escritor, como disse o sr. Odisseu.
No entanto, o que revela mais um texto acho que é a reação das pessoas. Gosto muito de ler posts, é demais, fico tão atento quanto o texto nas palavras das pessoas, que de alguma forma completam o texto.
Espero estar sempre presente nesse território de criação mútua.


PS: Se puder, ou tiver uma inspiração qualquer, descrevá-nos o show do Camelo esse fds.

Noubar Sarkissian Junior disse...

Ruivô!
valeu sempre, velho!
e vc disse bastante do que penso ser isso aqui...pra mim o que vale muito é ver o que as pessoas acham...quando alguém se emociona eu me sinto muito bem! o complexo de escritor amador é substituído pela sensação de que "ainda que muitos achem uma bosta, já valeu"!

E eu tinha pensado mesmo em escrever sobre o show de ontem: foi magnífico. os próximos dois textos serão estimulados por vc 9show do camelo) e pelo miragaia (como será nossa relação após o fim da facul)...só preciso descolar um tempinho pra fugir dos trabalhos da facul e voltar pro blog.

Grande abraço, capitão!

Anônimo disse...

Poxa Mano legal saber que me identifico nos seus textos, digo que me identifico nos sentimentos, pois varias vezes ja aconteceu isso comigo e até perdi o rumo indo pro lugar errado ou esquecendo do que ia fazer..rs. Acredito que o Tempo não é nosso inimigo e apenas temos que utiliza-lo ao nosso favor, inclusive fazendo com que até as coisas mais arduas sejam menos dificeis.

Mais uma vez parabens pelas palavras e tenho orgulho de dizer que quem escreve dessa maneira é meu irmao..rs

Bjs do Mano

Noubar Sarkissian Junior disse...

Mano,

sendo bem sincero, eu nunca supus que vc fosse ler meus textos. Achava que vc fosse considerá-los bobagem, tal. Devido a isso, vc não sabe a alegria que seus comentários me trazem! porque faz parte de algo que não conversamos quando estamos juntos, principalmente agora, já uqe nos vemos pouco.
suas opiniões fazem com que eu conheça um pouco mais de meu irmão, mesmo que isso pareça contraditório. No fim, terão sempre coisas que eu só "falarei" por aqui.
Tenho orgulho de suas escolhas também! e do carinho que vc nutre por nós!

bjos, meu mano!