sábado, 25 de outubro de 2008

Pra ela, que me espera



- Vó, vamos lá no seu quarto preu tirar uma foto sua com seus bonecos e pelúcias?


- Foto?


- É, pra pôr na internet, vó... no computador.


- Ah, naquele que você mostra sempre, né? que todo mundo pode ver...vamos, Bita! Aí você tira uma bem bonitinha...pra ficar uma lembrança bonita, né? (sorriso)


- Então vai, vó...pega o Bidu também (o gato)...e os bichinhos da parmalat.


- Ah, não! É só com o Chaves...os outros já estão velhos, Bita (risadas).



Entre uma trapalhada e outra, tirei várias fotos da velha! Com os bonecos, com o gato...e só com o Chaves, exigência da modelo. A foto que ilustra essa postagem é parte desse conjunto. Optei pela imagem traiçoeira, em construção, sem pose. Um pouco mais fiel. Mantive o pacto implícito, que consistia em dar destaque ao novo membro da família alternativa de minha vó: o Chaves! Certo dia dessa semana, ao chegar em casa, a velha me recebeu com a risonha novidade: "Bita, temos visita em casa. Ele veio do México pra ficar aqui...rs...está lá na sua cama, descansando". Era o boneco do Chaves (eu nunca imaginei que ela sabia a origem do Chaves!). O boneco é mal feito, desproporcional e oportunista: não importa! Pra ela, é igualzinho ao do "desenho". É seu mais novo xodó. No segundo dia de estada aqui em casa, ele já ganhou um colete de lã feito sob medida, "porque logo o frio chega, né, Bita...rs". Frio, vó? Ok, lindo o colete!



Minha vó é a pessoa que mais me alegra. Sua capacidade de criar afazares e afetos é comovente. Casada desde os trezes anos de idade devido a um acordo entre famílias (no Egito), ela viveu uma vida pro meu vô, falecido há 25 anos, e vive outra pros netos. Sempre espera nosso beijo atrasado pela manhã, arruma nossa cama e separa o chinelo pro final de semana. Aos 78 anos, ainda trabalha. Digo, ajuda meus pais na loja de embalagem e, como ela diz, "se distrai". Vira e mexe, aos risos, ela conta histórias de fregueses brincalhões que a chamam de "menininha" e a convidam pro forró. De tão concentrada em seu bordado, ela teve a proeza de estar na loja durante um assalto e não perceber nada! Nada mesmo! "O quê? levaram o carro, Noubar? ãh, entraram com arma aqui? que horor" (sim, não existe som de dois erres na pronúncia da egípcia!).



Com a graninha que ela junta na loja, mais a mesada que ganha dos netos, ela vai às compras em todas as "lojas de 1 real" aqui do bairro. Mas isso é o rotineiro, que todos que a conhecem já sabem. Cerca de um mês atrás, no entnato, realmente aconteceu algo de inusitado. Ao voltar de um bate-e-volta à cidade de Socorro, e após ter gasto 200 reais em presentes, bijouterias e roupas, a velha ficou duas noites sem dormir! Sério! Ela conta isso com uma felicidade imprevisível. "Bita, sabe quando você fica feliz por comprar as coisas que acha bonito? Nossa, eu comprei tanta coisa, né...fiquei tão contente que não dormi essas duas últimas noites". Mesmo conhecendo muito bem a velhinha, eu não esperava por isso. Foi inevitável a lembrança de quando ganhei meu primeiro video-game e varei algumas noites jogando. A diferença é que pra ela as "coisas" têm um poder mais de contemplação do que de uso, desfrute. É meio que uma legitimação do estar viva. Um sentido pra uma existência marcada pela submissão à figura masculina e à família. Minha vó nunca me deu presente de natal, nem de aniversário, nem nada. (E não lembro, sinceramente, de isso ter feito falta ou causado decepção) Sempre destinou seus lucros da loja às coisas "pra casa". Enquanto meu irmão e eu fomos seus companheiros de tarde, ela não precisava de nada além de sua presença pra nos cativar. Contava as mesmas e engraçadas histórias do egito e das peripécias de meu pai. Contava as mesmas piadas sem notar que já sabíamos os desfechos. Melhor, ria de suas piadas mesmo antes do final! isso hoje é mais raro...é coisa de feriado.



Agora, com meu irmão morando fora e eu usando a casa como dormitório, ela vibra cada instante de nossa companhia. Despeja todas as fofocas da semana em poucos minutos, fala das novidades da loja de 1 real e, não sei se pra redimir algo, nos dá pequenos presentes, cheios de simbolismo e cuidado. Perto dela, eu sou o menino que fugia da loja pra jogar bolinha de gude na calçada. Por algum motivo difícil de explicar eu não a culpo por absolutamente nada, não noto seus defeitos: admiro-os. Nem ouso falar mal de um possível impulso consumista que ela desenvolveu. Foi seu modo de driblar a solidão. De preencher um espaço que deixamos vazio. Um espaço ocupado pelos gatos, pelos bordados e pelas compras que desconhecem o glamour de um shopping. Se atrasamos o pagamento de mesada, ela cobra juros! "Igual o banco, Thiago" (gargalhadas!). É disso que falo: acho lindo quando vem dela! Vem com a ingenuidade de uma alma realmente "jovem ainda". Que só conhece seu bairro. Que chama o centro de "cidade". Que tem medo de escada rolante. Que tem a pachorra de fazer promessas que terceiros têm de cumprir! (sim, ELA prometeu à nossa senhora de aparecida que, se eu passasse na prova - vestibular - , EU teria de ir até Aparecida do Norte para agradecer!). Assim.



Sou um neto babão. Pra ela eu sou o Bita, um menino que gosta de falar como os apresentadores de jornal; que pede permissão pra ir tocar violão no quarto dela; que pede pra ela cortar banana em cima do açaí; que gosta de estudar de noite; que é chato quando fica corrigindo os enganos causados pelo sotaque dela ("barulhos" ao invés de "Guarulhos", "sábato" ao invés de "sábado", e aí vai!!!). Mais cedo, quando eu pedi pra ela posar pras fotos com os bichinchos, ela só sabia que apareceria no computador, e que a dani iria poder ver lá de São carlos. Usou a palavra "lembrança" como estímulo pra posar para uma foto oficial. Sentiu-se importante naquele momento...quis contar a todos:



- Cida, olha o que seu filho fez...rs...colocou eu e o Chaves no computador...


- Olha, meu filho (pro thiago), seu irmão é louco que nem você...rs






P.S.: quem quiser conhecer melhor a velhinha, veja!! : http://br.youtube.com/watch?v=Fz53V04rqSk

9 comentários:

Daniela disse...

AHHHH!!!!
Que linda!!!
Meu, sua Vó é demais mesmo...não dá pra descrever seu bom humor!Ela encanta qualquer um! "a ingenuidade de uma alma realmente "jovem ainda"" Essa é a parte que esclarece tudo!
Ela é um exemplo de como a melhor fase da vida pode ser a 3ªidade!
Meu comentário ficou muito improdutivo, mas é que faltam palavras na hora de explicar sua vó...só ouvindo uma de suas histórias pra entender!

diri disse...

sua avó é fantástica, noubar! como deve ser legal ter algém em casa assim, que nos conecta com o passado de modo tão bonito e espontâneo! e o mais interessante é que você tem plena consciência disso, estou certo? por isso escreve sobre ela e admira os "defeitos" (coisa que eu desacredito que ela possa ter eheh), por isso a fotografa com seus bichinhos e não liga de não receber presentes dela! seu texto me deixou feliz.
um abraço, meu caro! nos vemos na história!

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Nubita, querido! Vc não sabe como foi ler isso. Você não imagina mesmo. Qdo li a mensagem no e-mail minha irmã estava ao meu lado (ela é testemunha da minha vibração). Eu li em voz alta para ela ouvir também. Já faz um tempo que eu queria pedir para você escrever sobre a sua avó. Antes do post sobre o mendigo... mas não me sinto tão íntima sua para pedir algo tão íntimo seu.

Meu olho encheu de água.

Beijos

Carol

ps: Eu corrijo o sotaque da minha avó também. Ela fala apucuntura em vez de acupuntura.
ps2: Muito lindíssima ela falando que a Dani vai ver ela de São Carlos
ps3: Seu carinho para com ela é comoventíssimo.

Anônimo disse...

Noubar, sua vó é uma fofa!!!
Assiti ao vídeo e me valeu o dia!
Ler seu texto me fez lembrar da minha vó...que saudades da minha velhinha!!! Fico feliz de saber que existem pessoas que valorizam a existência de seus avós...eu só tive a oportunidade de conhecer uma vó, mas que me valeu pelos três que não conheci...só eu sei a falta que ela me faz...esses momentos, sem dúvida, não tem preço! Aprecie sem moderação alguma!!! Pois o tempo passa muito rápido... =)
Adorei!
Beijos!
Mi

Anônimo disse...

olá noubar.
eu realmente gostei desse post. Não sei bem o que comentar, nem gosto de comentar em blogs, embora adore ler todos eles. Mas esse post tem a ver com minha família, com minha vó, e realmente achei muito bacana.

Camila de Sá disse...

Noubar,

Você fala com um carinho da sua avó... imenso como se pudesse sair por essa telinha de computador aqui. Me comove em todas as vezes que eu leio, que não foram poucas, acredite.
Pois esse "menino que fugia da loja pra jogar bolinha de gude na calçada" hoje brinca com as palavras e faz textos emocionantes. Tão já, não o chamem de volta à loja, não. Nós estaremos aqui, aguardando e apreciando cada lance desse jogo.
Que demais! Sua avó é incrível!

~°Aquela que reclama°~ disse...

NÔOOOubar! Cara! Demais!!

Sinto que conheço sua vó como você mesmo...amei esse texto, amei essa história, amei a foto, amei sua vó...

*O*

dá um beijo nela por mim...


Flora

Anônimo disse...

Parabêns vc escreve muito bem, adorei seus textos. Bem que seu irmão me disse hehe...Cheguei a me emocionar com alguns textos que li, esse da sua vó foi muito bom vc conseguiu descrever muito bem sobre ela.
Olha acho que tenho um cunhado artista hein!!!!!rsrs....

Beijos e continue postando!!