quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Você tem orkut?



                                                                               (Após duas ou três frases trocadas, ela me perguntou:
                                                                                   - Você tem orkut?
                                                                                   - Tenho. Digite "noubar" e só encontrará a mim.
                                                                                   Estava selada nossa amizade.)



Está tão fácil estabelecer contato com quem tem acesso à internet, que eu ando meio assustado comigo mesmo. A possibilidade de acompanhar a vida de meus amigos, inimigos e, vá lá, de meus ídolos, é tão instigante quanto preocupante. Ninguém mais sai de nossa vida de vez, a menos que queira. Extinguiram-se os amores de verão: é simples encontrá-lo no inverno, à distância. O anonimato, até nos casos em que é requerido, funciona cada vez menos. A despeito das pistas falsas plantadas para resguardar a identidade, qualquer deslize produz um indício passível de ser rastreado na web.

Quantos amigos de amigos nossos são alvo de nossa curiosidade sem ao menos suspeitar dela? Consideremos que você, contrário, pensasse: "mas só se expõe na internet quem quer". Em parte, teria razão. Eu, insistente, diria que a existência virtual já foi institucionalizada. Toda ficha cadastral pede email, e eu já vi algumas em que ele é obrigatório. Antes cedíamos aos amigos nosso endereço, depois o telefone, depois os telefones; hoje os msn's, twitter's, emails, orkut's, etc. Cada uma de nossas atividades possui seu próprio grupo de mensagens: amigos do colégio; amigos da faculdade; colegas/amigos do trabalho; galera do futebol; curso tal; etc (de novo).

Há vida longe das telinhas: miserável ou antiquada, mas há. Embora eu me surpreenda com os "amigos sugeridos" pelo orkut (tem gente ali que eu nunca adicionaria, nem gostaria de ter notícias), de resto, essa integração que a rede proporciona sempre me fez bem. Nela, conheci pessoas que mudaram minha vida, expus e modelei minhas palavras (minhas personalidades), e anunciei ao (meu) mundo o que bastava pra que eu me calasse. É tanta substituição, tanta foto que a gente já tira dizendo "essa é de orkut" (tanto exibicionismo travestido de compartilhamento), que tudo soa meio invertido: ao invés de publicarmos aqui o que se faz "na vida real", já fazemos sob o formato que melhor se enquadraria ao desejo de publicação. Sim, por várias vezes isso pode ser bom. A mim é: alguns temas só saem de minha cabeça quando os submeto a uma postagem.

O que me coloca em estado de alerta é o espaço que o mundo intateável ocupa em minha vida. Quantos emails já não esperei à toa? Quantos já deixei de responder? Quantos, ao ver o remetente, nem abro mais? A transição de amigo a lixo eletrônico é notada - e lamentada - e revidada sob efeito de anestésicos. Um acervo interminável vai se formando. Dia desses me entreti lendo conversas "antigas" que foram salvas pelo gmail, e mesmo trocas significativas de correios eletrônicos. Como não apago as correspondências virtuais (já que há um espaço sempre crescente para elas), um mundo de palavras vai se acumulando, e dentro em breve será impossível recapitular tudo. Da seleção se farão outras seleções, até sobrar apenas o que eu  escrevi a mim mesmo.

Minha estante de livros tem competido com os blogueiros (semana passada encontrei uma "safra" de pernambucanos que me motivou um bocado); minha dvdteca perde de lavada para o youtube, meus cd's não têm outra função senão enfeitar meu quarto e atestar mais uma de minha coleções adolescentes. E eu, que acompanhei o surgimento dessas inovações todas, já me assemelho a um velho - carinhosamente falando - daqueles que se deslumbram a toda hora com "o novo", que dizem "no meu tempo..." e se veem ultrapassados por sua própria vida.

Tenho saudades da procura, mas não dispenso a chance do encontro.

(Guardo minhas cartas na gaveta pra que elas não confundam minhas digitais.)


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Noubar Sarkissian Junior
sarkissianjr@gmail.com
twitter.com/sarkissianjr
http://noubarjunior.blogspot.com/
http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=9450979052551595565

10 comentários:

diri disse...

Deixar os preconceitos é importante... tinha contra casamento, contra instituições em geral. A internet me passava más sensações, mas aos poucos fui deixando o mito do ideal de lado e cedendo espaço ao possível e prático das coisas. Esse post me ajudou mais um pouco na missão quixotesca de lutar contra os meus preconceitos.

Victor Moraes, disse...

É estranho que a velocidade tenha deixado as coisas mais frias.
Mas creio que há espaço pra ambas, tecnologia e aquilo de 'no meu tempo...'. - Pelo menos é o que prefiro acreditar.
É bom saber que pra alguns as páginas da internet dividem tempo cm os livros da prateleira. Ou contrário. Mas pra nem todos é assim.
Acho, de certa forma, uma pena.

Anônimo disse...

Pois é meu caro Noubar, o que eu posso dizer da internet. Sem ela as coisas para mim teriam sido (ou mesmo seriam)certamente MUITO mais difíceis. Mas ainda assim me alegro em ter te conhecido antes de tudo "ao vivo e a cores" (rs). Abraços amigo!

Tiago Fagner disse...

Pura verdade, faz tempo que não lia um texto tão sensato sobre internet.
Ah, isso aqui:
- tanta foto que a gente já tira dizendo "essa é de orkut" (tanto exibicionismo travestido de compartilhamento), que tudo soa meio invertido: ao invés de publicarmos aqui o que se faz "na vida real", já fazemos sob o formato que melhor se enquadraria ao desejo de publicação.

É a mais pura verdade, o orkut mostrava nossa vida, hj a vida é cenário para o orkut.
Enfim parabéns, o texto foi O TEXTO!

Tiago Fagner disse...

PS: "semana passada encontrei uma "safra" de pernambucanos que me motivou um bocado"
Adoro quando minha terra se destaca assim \o/

Natália Corrêa disse...

Falou e disse, seu moço!
Eu já tentei me rebelar contra a tecnologia pra não trair o movimento das cartas e das ligações (que tanto amo!), mas acabei me rendendo. Essa era digital tem seus defeitos... às vezes ofuscam a vida real - sabemos das pessoas que estão nas janelas do computador, mas nem conhecemos nosso vizinho de porta. Entretanto, contudo, todavia, não obstante, (=P) essa era também permite facilidades e aproximação de pessoas afins que talvez nunca se conhecessem, mas se conhecem e fazem valer a dor na coluna de passar uma tarde inteira no pc. Além dos reencontros claro...

Ricardo disse...

Fala aí Noubar…

Belo texto hein meu!?

Eu devo ser antiquado bicho, pois considero que as tais redes sociais ferem o caráter exclusivo de minha intimidade. Arrogância talvez, mas antes isso que sucumbir ao exibicionismo vaidoso que, convenhamos, governa as relações em tais redes. Hoje mesmo no Jornal da Tarde tinha uma matéria descrevendo um novo site do gênero onde a aparência física do aspirante a membro – julgada, evidentemente, pelos membros veteranos – é o pré-requisito para aceitação. Houve mesmo um infeliz que só foi aceito após bancar fotos profissionais em um estúdio especializado…

Como eu disse, eu devo ser antiquado…

Abraço,
Alemão do Lasar Segall

Pâmela Marques disse...

Assino embaixo de cada palavra sua. Mas tenho que confessar que sou viciada na internet, daqueles vícios que não se passam com os anos, rs. Fico sem qualquer coisa, menos isso. Mas não consigo abandonar os meus livros, devoro-os sempre que posso.
E vou te contar que com a internet conheci pessoas maravilhosas. E agradeço muito isso.

A postagem coletiva será quarta que vem, sobre o primeiro beijo!

newton disse...

perfeito.
Pensava nisso dias atrás. Queria eu ter escrito algo do tipo.
Saudades de você meu velho. Espero te rever.

Fabio Moraes disse...

Ah, vai escrever bem assim no mundo real, cara!
Grande texto!
Abraços pernetas!