Como se bailar fosse fácil!
Como se agir fosse tudo. O "vai lá e pronto!". O "Se solte! Deixe que a música te leve, leve".
Quem não dança, quer dançar. Pode até saber quais são os movimentos aceitáveis pra cada ritmo, mas não consegue abstrair a matemática dos membros do corpo: não sente, calcula passos. Acha lindo assistir. Aprecia os exímios dançarinos que parecem ter raptado a desenvoltura de todos os que vêem as próprias pernas teimarem em não amolecer. Inveja cada deslizar, cada giro. Pergunta-se: "será que meu calçado é apropriado?"; "será que não é apenas uma questão de sobriedade inconveniente? (e estar ébrio ajudaria!)".
Inseguranças dos durões. Porque dançar é uma linguagem, e não dominá-la é viver com a impressão de ser um analfabeto corporal. A noite fica incompleta pra quem não dança. Mesmo a vida, parece que fica mais curta. Não é o máximo ver casais de velhinhos dançando nos bailes por aí? Tais cenas não configuram uma reação à inexorabilidade do tempo? Talvez nem seja pra tanto, mas dançarinos autênticos me alegram. E agora não falo apenas dos bons, mas de todos que dançam pra si mesmos. Os que dançam de olhos fechados, alheios à platéia. Olhos fechados mesmo quando abertos. Porque, se abertos, restritos. Enquadram um pequeno campo de visão pra ilimitar o mundo dos sonhos.
Fixar um olhar distraído e contemplar a imaginação, escorregadia e flutuante.
Falo, falo, mas não me dou muito bem com a dança. Pretenso músico desde o fim da infância, os ritmos sempre estiveram por perto, mas foram inalcançáveis aos meus pés. Fiz dançar, mas dancei pouco e mal. Quase nem tentei. Pulo carnaval, vagueio num som dos anos dourados, sem saber direito o que estou fazendo. Aceito os bons momentos sem interrogá-los. Os maus, torturo.
Hoje, vejo minha cabeça dançar. De mãos dadas com meu coração, deixa tudo rodopiando por aqui. Por memórias e projetos. Por sensações opostas e flagelantes. Inéditas.
Vida boa, e vida ruim. A incompreensão dos outros. A incompreensão de si mesmo. Tudo muito líquido e novo, esperando o que não se pode esperar; ou o que se pode cobrar apenas do tempo, vulgo infalível. Como numa dança, a magia pode acabar no fim de uma música, mas a parceria, nem por isso, fora em vão.
(A Vida entrou atrasada nesse texto. Minha intenção era falar apenas da Dança. E não é que as coisas se misturam sem avisar? Quando notei, a Dança era a Vida.)
Matei a eternidade.
Por não saber dançar, pisei no pé de nossa história.
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P.S.: Música, maestro!