Nenhum artista deve gostar de todos os shows. Falo dos consagrados mas talentosos (as duas coisas podem formar uma dicotomia, não?). São mais ou menos as mesmas músicas, com as mesmas pessoas tocando, pra uma “mesma” multidão anônima. Há as identificações específicas de cada artista, claro: um lugar ou uma data especiais que constituem a minoria das noites realmente deleitosas. A recompensa. No mais, tudo é basicamente ritual. Cantar músicas compostas há vários anos, mostrar entrega ao público, e, vez ou outra, até interagir. Buscar lampejos cômicos pra “quebrar o gelo”. O “algo a mais”. Uma relação contratual: o fã pagou ingresso para ver o artista que embala seus momentos bons; o artista tem de superar a si mesmo e fazer melhor do que fez na gravação. Há o contato, e a emoção está subentendida. Certo, certo... com certeza é melhor do que trabalhar*, mas tem sua dose de rotina. Vira o teatro da música: representação.
Parece-me penoso, depois de alguns anos de estrada, manter o tesão de viajar por aí pra tocar. É justamente o contrário do que se dá nos períodos de composição, anteriores às temporadas de shows. Isso na hipótese das duas coisas (criação / divulgação) acontecerem em espaços de tempo distintos. Bom, mesmo quando os dois “extremos” são indissociáveis, a criação deve ser como um respiro, uma notícia de sol**. Alivia os possíveis fardos da divulgação. Naquela cidade e momento em que o artista precisa lembrar quem é, compõe.
Aí sim! Imagino um processo mais inerente ao “caráter” do autor. Criar. Algo que acontece porque tem de acontecer. Uma necessidade fisiológica (nem tanto!). Silêncio. Age (trabalha) sozinho, desafiando o ritmo do mundo. Um tempo só seu. Se muito, pede opiniões àquelas pessoas mais próximas. É quando ainda é dono de sua obra. Pode ajustar suas minúcias e brincar de reinventá-la amiúde. Curte sua cria antes que ela ganhe o mundo e saia de sua jurisdição. O diálogo entre o autor e sua obra. Depois, se o resultado agradar, é hora de lançá-la aos fãs, afoitos por novidade, ávidos de cultura.
Ponderemos.
Óbvio que deve ser bastante gratificante ouvir uma multidão cantando sua música. Mas isso logo após sua divulgação, como uma resposta do público: como o reflexo da recepção da arte por parte de seus consumidores. Porra! Chegar no palco e ser ovacionado depois de alguns meses de produção. O reencontro. Bacana, talvez incomensurável.
Passada essa fase do novo, vêm as grandes temporadas de promoção e divulgação do disco, e aí a arte vira trabalho. O artista perde seu estigma de "fazer o que gosta" e necessita cumprir obrigações formalmente contratadas. Há de se ir nas rádios, conceder entrevistas a repórteres cada vez mais leigos, cumprir um set list (tocar aquela que "não pode faltar"), e tirar fotos com os fãs mais abastados que pagaram pela área vip e pelo direito de ir ao camarim. Sua arte invoca uma invasão de todas as outras esferas de sua vida. Sua assinatura muda de nome. Então, o artista vira ornamento de orkut. "Eu conheço o camelo", dizia a legenda da foto abaixo. Ele (camelo) não parece lá tão satisfeito...
(A grande distinção da emoção de um show e de um jogo de futebol, é a infabilidade daquele em detrimento da incerteza deste. Num show, "sabe-se" o que vai ser tocado: vamos prontos e dispostos a gritar e bater palmas [quem grita mais alto as letras - todas -, é o fã número 1]. Num jogo, a predisposição existe. A emoção, porém, depende do desempenho de nosso time: podemos nos arrepender e jurar - em vão - nunca mais voltar, e podemos ficar contentes pela escolha de correr o risco. Intensidade. )
Ou uma menininha de, sei lá, uns 16 aninhos... ***