sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Logo ali




"A música expressa o que não pode ser dito em
palavras mas não pode permanecer em silêncio"
(Victor Hugo)


É tão perto que nem há fuso-horário. É tão perto que não se vai de avião. É tão perto que não se leva retratos da família. É tão, mas tão perto, que não vale despedida.

É, no entanto, mudar.

É ter de selecionar o que há de essencial e colocar numa só mala: os discos marcantes (aqueles com encarte e tudo), os livros da fila e os de releitura aleatória, as camisetas mais descoladas (ou listradas, ou sem estampas), as meias menos furadas, e as partituras que esperam eternamente por um olhar.

É o fugir de casa pela porta e, à noite, voltar pela janela. É a valorização do almoço de domingo. É separar um dinheiro pro DDD. É rodovia: pensamentos de estrada, amigos de estrada, estrada devagar, de tardezinha. É a voluntária busca de um sotaque; de um tempero.

É deixar a História pra lá, e levar tudo o que, na História, pude acumular de mundo. É, ao menos, poder mudar a minha "apresentação" no cabeçalho desse blog: de "músico frustrado que brinca de estudar História", passo a "músico tenaz que brinca de estudar música mesmo".

É conhecer um carinho indevido de dezenas de pessoas tão queridas, e reconhecer um alívio, uma força mais perene, uma pré-saudade.

É outro lugar: novo mas perecível; em branco mas contornado.

É meio-saída, e meia-entrada.

É, mais que tudo, uma grande alternativa ao nada (é o ufa!).

É (preciso) fazer as malas, cortar o cabelo, e trocar as cordas.




_____________________________________________________________


Mote: vou a Campinas (UNICAMP) estudar música, mas deixo quase toda minha vida em São Paulo. Vou e volto sempre, mas, ainda assim, vou. (distância campinas/são paulo: uns 100km).



terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Torcedor


Se o gol é o orgasmo do futebol, os meninos da vila são os parceiros ideais: são os que proporcionam excitação e orgasmos múltiplos aos torcedores. Têm os hormônios e as pernas em sincronia. Não jogam, seduzem. Não correm, iludem. Não driblam, passeiam. Não cobram ingresso pra jogar, mas passam o chapéu durante e depois do show: são artistas amadores jogando no campo mais bem tratado do mundo. Ainda nem sabem qual o peso da camisa que fora vestida por pelé, pepe (e todos os outros que vocês não aguentam mais ver citados nessa nostalgia futebolística), e é melhor assim. Não cobrem títulos de tais muleques. Não fiquem pensando se eles irão aguentar quando jogarem um clássico. Eles não precisam suportar os beques sizudos e viris: estes que corram atrás, pois a carreira é longa.

Tudo isso por quê? Porque virei santista de uma hora para outra. Porque fui a Santos, comprei camisa, cantei hino e, ali, no anonimato da multidão, ninguém desconfiara de meu passado tricolor. Tal como eu viraria flamenguista se pudesse ir ao maracanã aos fins de semana ver Adriano e Vagner Love jogar. Tal como eu viro corintiano quando o Ronaldo pega na bola, e torço pra que ele faça grandes jogadas e belos gols. Tal, ainda, como viro palmeirense quando o Diego Souza e o Cleiton Xavier trocam passes e batem de longa distância. E o mais "grave": sou argentino quando me sento pra ver o Messi e o Riquelme jogarem.

Se é o que pensam, confirmo: sou o maior de todos os bandeirinhas. Troco de time como quem troca de canal. Vestiria inúmeras camisas de uma vez só. Iria ver o Grêmio jogar só pra cantar o hino mais bonito de todos os clubes. Trocaria ofensas com qualquer são paulino engessado que me repreendesse por ir ao Engenhão (Rio de Janeiro) e preferir ficar no meio da torcida do Botafogo, de camisa e tudo, a ficar esmagado atrás do gol junto à torcida independente (organizada do são paulo). Foi tão melhor comemorar todos os gols do jogo, mesmo que alguns "internamente", enquanto os imbecis da torcida gritavam odes à violência e salves a si mesmos.

Por essência e anos contados, sou são paulino. Sou um dos maiores são paulinos que você já conheceu. Vou ao Morumbi desde os cinco anos de idade, e cada vez mais assiduamente. Isso, no entanto, é mero acaso. Torço para o São Paulo como poderia torcer para o Corinthians. Quase todos nós escolhemos nosso time antes de ter nascido. Até os cinco anos eu fui santista (time de meu pai), e desde então meu tio me comprou com um uniforme completo do tricolor e com uma ida ao estádio pra ver o time jogar a Libertadores. Pronto: eu já tinha meu time pro resto da vida. Isso é mais covarde do que um casamento. Não há nenhum discernimento na criança que opta por um time do coração, e socialmente somos cobrados pra ficar com ele pra sempre. O divórcio é gradativamente mais e mais aceito, mas a mudança de time é o maior tabu de todos (maior que opção sexual).

Ademais, é impossível negar que a paixão pelo time acaba sendo totalmente assimilada por nossa fase infanto-juvenil, e depois é tão natural quanto o parentesco. Ser são paulino vira quase uma característica inata. É como ter um braço. Não se renega um braço. Pois bem, o fato é que aos poucos vou virando um torcedor genérico. Gosto cada vez mais de futebol e cada vez menos de um time só. Manterei minha parcela tricolor acho que pra sempre, mas o restante se dividirá entre os times que em melhor fase estiverem. Em suma: torcerei para o São Paulo mesmo quando ele não merecer, mas dividirei essa paixão com o Corinthians de Ronaldo, com o Santos de Robinho e Neymar, com o Flamengo de Adriano e Love, e com quem mais merecer atenção especial.

Que o futebol deixe de ser essa redoma machista e conservadora imune a todo o resto das "questões nacionais". Que o Richarlison consiga se declarar homossexual, e que não se dirija mais à torcida que se recusa a gritar seu nome. Que os companheiros tomem atitudes semelhantes às que rejeitam o racismo no futebol, como quando Samuel Etoo se recusou a jogar sob os sons de macacos vindos das arquibancadas. Que os jogadores bobinhos não comemorem os gols fazendo os sinais das torcidas organizadas. Que um dia eu possa vestir a camisa do Corinthians, do Palmeiras ou do Santos sem ser advertido por meus próprios amigos. Que o amor eterno fique reservado à minha avó, ao meu pai e à minha mãe, e não a um só trio de cores consagradas.